7 Dezembro 2015      13:29

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DICOTOMIAS DEMOCRÁTICAS

Marine Le Pen

O mundo conheceu, neste fim-de-semana, dois resultados eleitorais, em dois países completamente diferentes, em dois continentes diferentes, com culturas democráticas bem diferentes.

Por um lado, a Venezuela, onde depois de 14 anos do regime de proletariado de Hugo Chávez, e mais dois de Nicolás Maduro - em que mantiveram uma governação duvidosa do ponto de vista da democracia e das liberdades - nas urnas, e com 75% da população a votar, a oposição venceu as eleições. Foi a primeira vez desde 1998.

Numa das eleições anteriores, a oposição nem se tinha apresentado, por acreditar que os resultados e as eleições estavam controladas por Hugo Chávez e pelo sistema, que muitas vezes foram acusados de perseguir adversários políticos e de instaurar de uma ditadura do proletariado, de base militar, na Venezuela. Na última eleição, foi pedida, pela oposição, uma recontagem de votos e a mesma acabou por ser realizada… parcialmente, através de amostra.

Todos recordamos os discursos incendiados e incendiários de Chávez: marcadamente anti-imperialistas, anticapitalistas e antiamericanos – focados no seu Presidente George W. Bush – e até da intervenção do então rei de Espanha, Juan Carlos, no mítico “¿Por qué no te callas?”, dirigido a Chávez, na conferência Ibero-americana, em 2007.

Mas nem tudo foi mau durante o regime chavista. Jimmy Carter, ex-presidente norte-americano e observador internacional, revelou que o regime de Chávez tinha diminuído o fosso entre os ricos e os pobres e tinha dado aos mais desfavorecidos oportunidades de viver melhor, como aliás demonstram os dados da pobreza venezuelana, em que esta caiu de 49,4%, em 1999, para 27,8%, em 2010.

No entanto, a Venezuela viveu, durante este tempo, numa instabilidade económica enorme, à mistura com um nacionalismo exacerbado estimulado pelo Governo e com aproveitamento da imagem de Simón Bolívar - um venezuelano que é visto em toda a América do Sul como herói, visionário, revolucionário e libertador, já que liderou as revoltas pela independência na Bolívia, Colômbia, Equador, Panamá, Perú e Venezuela, e ajudou a lançar as suas bases de ideologia democrática – de permanente tensão, insegurança e medo, em que opositores ao regime eram perseguidos e até assassinados e em que até observadores internacionais foram acossados e obrigados a sair do país.

Mesmo ao longo da campanha para estas eleições, Maduro chegou a fazer referências a “banhos de sangue” e um candidato da oposição foi mesmo morto enquanto discursava.

Maduro, ficará na história não só como a última cara de uma ditadura - que herdou - com quase duas décadas mas, dicotomicamente, também como o homem que reabriu, até ver, a porta à Democracia na Venezuela, pois esta derrota do sistema na Venezuela ganha uma dimensão ainda superior por via da aceitação pública da derrota por parte de Nicolás Maduro que disse "Vimos com a nossa moral, com a nossa ética, reconhecer estes resultados adversos, aceitá-los e dizer à nossa Venezuela que a Constituição e a democracia triunfaram.”

O “delfim” de Chávez nunca conseguiu manter a imagem e o carisma do líder anterior, isto apesar de ter feito de tudo para colar a sua imagem à de Chávez - de modo a dar um perfil de continuidade – chegando até a revelar um suposto sonho em que Chávez lhe aparecia na forma de um passarinho a dizer como comandar os destinos do país.

No entanto, este resultado não pode ser dissociado da grave crise económica que o país vive e onde se assiste a uma enorme escassez de alimentos e de bens de primeira necessidade, em parte derivada da queda do preço do petróleo: a Venezuela detém das maiores reservas de crude do mundo e toda a sua economia se baseia neste recurso. 

O novo mundo deve estar constituído por nações livres e independentes, unidas entre si por um corpo de leis em comum que regulem seus relacionamentos externos." - Simón Bolívar

Por outro lado, cá bem mais perto - num país sem problemas democráticos óbvios e que foi sendo, ao longo da história, palco de evolução política e social mundial - a França foi também a votos para a eleição dos seus representantes regionais.

Venceu Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, um partido situado na extrema-direita política e cujos princípios contrariam os da igualdade e liberdade, tão proclamados em França, e na Europa, no último mês.

Os discursos marcadamente xenófobos de Le Pen – ainda assim a anos-luz dos do seu pai e fundador do partido Jean-Marie Le Pen – levaram as outras forças políticas de esquerda a realizarem já algumas jogadas e alianças políticas de modo a evitar a vitória, a nível nacional, de Marine Le Pen que deverá conquistar pelo menos duas regiões na segunda volta: Norte-Pas-de-Calais-Picardia e Provença-Alpes-Côte d’Azur. Ficando a “Front Nacional” responsável por governar cerca de 11 milhões de franceses nessas regiões. As estimativas atuais, apontam até para o facto de a Frente Nacional ser o partido mais votado em sete das 13 regiões francesas.

Neste momento, e com base nas projeções, a Frente Nacional é o maior partido de França com 30,6 por cento, seguido dos Republicanos de Sarkozy com 27% e do PS de Hollande (que se saiu politicamente muito bem após os ataques em Paris) com 22,7%.

Hollande e o PS já desistiram formalmente de se candidatar a duas regiões, onde tinham uma baixa votação, na tentativa de potenciar esses votos para a oposição mais real a Le Pen, numa segunda volta. É expectável que mais partidos, em mais regiões, venham a fazer o mesmo e até Sarkozy, líder da direita francesa, apesar da recusa inicial em pactuar com a esquerda, poderá ter que fazê-lo se quiser evitar uma viragem radical da França.

Tal como a crise económica teve influência nos resultados venezuelanos, também a crise de refugiados e os atentados em Paris tiveram as suas consequências na França.

O discurso nacionalista de Le Pen, que se baseia muito no princípio da Segurança – começou até a ser julgada, no passado outubro, por discursos contra os muçulmanos -  foi de encontro às falhas sociais que se vivem, não só na França, mas na Europa. De tal modo que, no seu primeiro discurso após o fecho das urnas disse que era necessário “preservar o modo de vida dos franceses: Liberdade, Igualdade, Fraternidade e Laicidade”.

Mais tarde, Le Pen disse, já olhando a segunda volta: “Apelo a todos os eleitores que se sentem, antes de mais, patriotas a virar as costas a esta classe política que os engana (…)” e este é o ponto chave e que une as duas situações, a francesa e a venezuelana.

Quer no fim da situação ditatorial na Venezuela, quer no ascender de um partido radical ao poder em França – e nem ouso colocar em causa a legitimidade dos democraticamente eleitos – a culpa é, num caso e noutro, de quem governou e não o soube fazer, de quem usou o posto para fins pouco transparentes e negociações que têm custado uma crise social gravíssima às suas populações.

A culpa é de quem governou pela manutenção do “status quo”, dos seus interesses económicos pessoais e partidários e não pensou no povo que representam; é esta lógica que é preciso combater a bem da verdadeira Democracia.

É preciso unir e não partir; juntar e não fracionar. E juntar e unir não significa de todo “abafar”, homogeneizar, significa ter em conta, ouvir e equacionar; saber integrar as diferenças e não acabar com elas ou exclui-las no cenário político; significa negociar e ceder, sempre de olhos postos no melhor para a população, para o país, para a sociedade universal e não para qualquer grupelho de circunstância.

Não concordo, de todo, com os princípios políticos de Le Pen, mas numa coisa tem razão: “Ninguém pode parar a vontade profunda do povo.” E agora, depois do mal feito, não serão jogadas políticas palacianas que afastarão o perigo do radicalismo.

 

Luís Carapinha – diretor

 

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