14 Abril 2015      19:57

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CAFÉ

No dia mundial do café, quantos já bebeu? Um, dois, três ou quatro? Ou mais? Poucas bebidas podem gozar do estatuto e fascínio que o café conseguiu impor no quotidiano mundial, chegando a ser a segunda bebida mais consumida do mundo, apenas ultrapassada pela água. “Ir ao café”, “estar no café”, “beber um café”, é também uma instituição da identidade portuguesa. Por isso, este artigo procura debruçar-se sobre as histórias, os locais e algumas expressões que partilhamos e a que tanto recorremos. Em torno de uma bebida que além da sua história é envolta em histórias, mistérios, lendas, citações, filosofias, e percalços do dia-a-dia.
 
Seja curto, cheio, em saco ou expresso, de cápsula, com ou sem açúcar, pingado ou com cheirinho, com chávena escaldada, mais Arábica ou Robusto, numa mesa cheia ou num momento só, no trabalho ou numa pausa, poucos lhe ficam indiferente. Como diria T.S. Eliot, "Eu medi minha vida em colheres de café".
 
 
História e Estórias
 
Conta a Lenda que os bagos de café terão sido inicialmente descobertos por um pasto da Abissínia, que ao ver o efeito estimulante que causava nas cabras de Kaldi, resolveu experimentar alguns e mostra-los posteriormente a um abade. Este último achou que os bagos vermelhos eram uma coisa do demónio e resolveu queimá-los. Da torra que produziu um aroma agradável acabaram por se tornar numa espécie de essência divina que conhecemos hoje. Mas as estórias ao longo da história nunca mais findam.
 
Se na Etiópia as tribos nómadas ingeriam bagos com gordura animal, como pequenos bolos, os árabes faziam especulação ao ferver os grãos em água e deixando-os assentar para obter uma agradável bebida cuja receita em segredo se tornou “a alma do negócio”. Mas rapidamente, com o evoluir das viagens, chegou à Turquia e depois a Roma, e em 1699 até os ingleses bebiam café. No entanto, o domínio árabe sob o monopólio das sementes, que controlava a produção mundial, só foi desfeito graças à ousadia de um holandês, que contrabandeou algumas sementes de Java para a Indonésia. Ao que a França também as levou para Martinica, e por fim Portugal num curto espaço de tempo fez do Brasil uma das maiores potências mundiais de produção de café. Aí começou o marketing de guerrilha na competição entre grãos.
 
Se em Inglaterra o consumo de café dispara derivado dos impostos sobre o chá, em Portugal a Brasileira oferecia produtos na compra do café, para provar aos clientes habituados ao paladar africano que a bebida do Brasil é tanto ou mais sedutora que a concorrente. Esta mesma casa, acabaria por batizar a expressão “bica”, ao afixar um placard informando os clientes “beba isto com açúcar”, cujo acrónimo passou posteriormente a ser bordado nos panos que acompanhavam o copo indicando simplesmente “B.I.C.A.”.
 
Esses locais onde se saboreava a bebida, viraram locais de culto, pragas, tertúlias e encontros, até aos nossos dias, ou seja, "local de entrevistas e conspirações, de debates intelectuais e de mexericos" (George Steiner, n'A Ideia de Europa').
 
 
Rituais, culturas e variedades
 
Está vincado na cultura ocidental, e Portugal é um exemplo disso mesmo, esta forma de estar, ritualística de beber um café. De manhã, para acordar, com ou sem companhia, após as refeições ou à noite, enfim, as hipóteses são múltiplas e variadas. Até para escrever um artigo sobre o café, onde o redator já vai no quarto do dia. 
 
Uns preferem-no curto, outros pedem-no cheio, há quem prefira café passado (já tentou encontrar um expresso no Brasil?), e outros não abdicam do “cheirinho”. Há quem meta açúcar e quem prefira o adoçante, mas os apreciadores genuínos, dizem, não lhe misturam nada. Mas não faltam colecionadores de pacotes de açúcar. Já agora, com uma média de três cafés diários, sabe a quantos quilos de açúcar por ano equivale? Cerca de sete quilos e meio. O que, segundo os médicos, pode ser, esse sim, muito prejudicial à saúde, por ser um açúcar de rápida absorção.
 
Mesmo com a vaga de expansão das cápsulas que podemos ter em casa, nem a rotina de ir a um café como segunda casa parece ter esmorecido, e muito menos podemos colocar em causa a “arte” de manipular o café. Dentro das variedades destas sementes, as Arábia e Robusta são as mais marcantes do mercado mundial. A primeira, mais difundida, apreciada e aromática, possui grãos alongados, baixo teor em cafeína e pouco corpo, além de representar a esmagadora maioria da produção mundial. Já a Robusta, designa-se por ter um grão arredondado e pequeno, sendo mais amarga e forte, com um alto teor em cafeína, menos aromática e não é consumida em estado puro, ao contrário da Arábica. Contudo, a maioria do café resulta da manipulação de uma mistura cuidada ao tom do nosso paladar da quantidade adequada entre as duas.
 
Assim como acontece na Casa Pereira da Conceição, um dos ícones da Rua Augusta, em Lisboa, fundada em 1933, onde além dos lotes já preparados, o cliente pode escolher e pesar o seu próprio lote, à conta e medida da sua experiência ou aventura. Ou ainda na antiquíssima Casa Macário, fundada em 1913, na mesma rua, cujo proprietário homónimo, decidiu apostar na tendência da época, durando até hoje a tradição da moagem no local e preservando a lista das 18 misturas mais procuradas pelos clientes. Também no Chiado pode encontrar “A Carioca”, fundada em 1936, onde a grande máquina de moagem mantém continua a transportar-nos por viagens entre São Tomé, Cabo Verde, Colômbia, Costa Rica e Angola. Cujos lotes mais procurados são o “Expresso”, o “Carioca” e o “Palace”, entre outros.
 
Mas se é daqueles que procura sentar-se para um café, aconselhamos ainda outros locais de culto como o “Café Gelo”, antigo pouso de intelectuais, como Fernando Pessoa, Mário Cesariny, Luiz Pacheco, Ernesto Sampaio ou António José Forte. Ou a Confeitaria Nacional, também em Lisboa, fundada ainda no século XIX. A tradicional e mundialmente famosa, Pasteis de Belém, ou ainda o glamoroso Majestic Café. Por fim, deixamos-lhe um pequeno guia sobre os vários tipos de café, para saborear, degustar e se aventurar.
 

Por João M. Pereinha