25 Novembro 2015      22:16

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ANA MIRÓ: "O IMPORTANTE É AS PESSOAS CONHECEREM..."

Existem em Portugal muitos e novos músicos emergentes que se começam a afirmar nacional e internacionalmente. É o caso de Ana Miró, com 27 anos e natural de Évora, que começa a ganhar cada vez mais espaço e notoriedade com a sua música, no projeto “Sequin” e o seu álbum “Penélope”. Do Alentejo guarda a nostalgia das primeiras lições na música, e uma mistura entre o espírito alegre e a introspeção. Muito musical desde criança, numa entrevista descontraída entre um café e um capuchino, confessa-se surpreendida pela aceitação do público, e muito feliz por poder viver da música. Entre a simplicidade dos sentimentos, e a complexidade de erguer algo sólido no mundo musical, admite que o importante é dar-se a conhecer. Texto e Imagem por João M. Pereirinha

Tribuna Alentejo (TA): Em relação à música e ao teu trabalho, como é que surgiu o desejo, a paixão e o incentivo para trabalhar em música e concretizar isso num projeto musical?

Ana Miró (AM): Sempre fui uma criança muito musical, e entretanto decidi mesmo aprender música e estive dois anos na Academia de Música Eborense. Continuei e acabei por ter uma banda na adolescência, cá em Évora, que se chamava “The Ballis Band”, e que foi a minha escola. Foi onde eu aprendi a compor e a escrever para composições de outras pessoas. As minhas primeiras experiências foram com eles, o primeiro concerto, o primeiro concurso de bandas. E foi uma coisa que eu gostava muito de fazer, e tive sempre como um hobbie.

Mas quando acabamos quase me resignei. Pensei “pronto a música vai parar". Porque nunca tinha pensado na música como algo além dos tempos livres. Ainda não estava enraizada a ideia de poder viver disto a tempo inteiro. Entretanto fiquei cerca de dois anos sem tocar, senti saudades disso e ponderei voltar a experimentar. Mas desta vez sem ter banda. Pensei nas coisas que eu gostava de ter experimentado mas que nunca pude, e que nunca tinha experimentado fazer com banda.

TA: Nesse caso existe uma grande diferença entre aquilo que tu fazias e aquilo que tu hoje fazes.

AM: Sim, muito! Muito diferente mesmo.

TA: Como é que foi esse processo até ires descobrindo, explorando…

AM: Não foi muito demorado. Foi uma coisa rápida. Decidi que o que queria fazer mesmo era música eletrónica. Comprei um teclado, porque queria descobrir mais os sons dos sintetizadores e mais música eletrónica, e depois comecei sozinha a experimentar em casa, a tocar, e foi uma coisa de seis meses até decidir o rumo estilístico que iria ter.

TA: E a partir daí como é que tens desenvolvido o teu processo criativo?

AM: Depende de música para música. Não tenho um método. Há músicas, em que me surge primeiro a letra e depois eu arranjo qualquer coisa, ou já tem uma certa melodia por trás e eu depois faço isso tornar-se realidade. Mas a maior parte das vezes surge-me sempre primeiro a melodia e então depois construo a letra. Já me conheço muito bem, e quando sinto que estou num momento criativo bom, tenho a sorte de poder despender tempo e parar tudo o resto e dizer “ok, eu estou-me a sentir inspirada, vou trabalhar agora!”.

TA: Então é uma coisa também de impulso, emocional até?

AM: É muito, é muito. Quase tudo acaba por ser. As minhas músicas acabam quase por ser um diário. Não que falem sempre sobre mim, mas sobre coisas que eu experiencio, filmes que vejo, e então acaba por ser muito impulsivo. Se tenho qualquer coisa assim na cabeça, e tenho uma melodia, vou e faço uma música sobre isso.

TA: Nesse aspeto, o que é que seres do Alentejo influência posteriormente a identidade da tua música?

AM: É muito 50/50, consigo ter músicas com um espírito muito alegre, muito divertido, e depois consigo ao mesmo tempo ter músicas muito introspetivas e mais depressivas. Isso tem muito a ver com a minha vivência cá em Évora, que é um bocado assim: é uma cidade lindíssima, mas tem dias em que isto é super negro, meio fantasmagórico. Já houve aqui muita história, existe esse peso, e a isso tem também influência nas minhas músicas. Mas também é um sítio super alegre, as pessoas são muito divertidas, e “quando é festa, é festa”, e a minha música tem um bocado esse caracter duplo.

"O importante é as pessoas conhecerem e gostarem, mas se não gostarem está na boa."

TA: Nesse caso, quais são as tuas maiores influências estéticas, ídolos, aquilo que costumas ouvir e que recolhes para o teu trabalho?

AM: É óbvio que há sempre coisas que sempre ouvi que vão estar presentes. Uma delas é The Knife, ou o projeto a solo da vocalista, Fever Ray. Ou influências que me tivessem despertado a vontade de trabalhar na música eletrónica, como os Maloko, e o projecto a solo da Róisín Murphy.

Hoje em dia começo a ouvir coisas que são menos conhecidas e, talvez por ser rapariga a compor e a tocar sozinha, comecei a estar muito interessada em mulheres que fizessem o mesmo. Então descobri coisas que adoro e que provavelmente vão influenciar muito a minha música daqui para a frente. Alguns nomes mais independentes, como Jessy Lanza (cantora canadiana), Grimes (também do Canadá), ou Kelela, que também não é muito conhecida. Gostei muito do último álbum de Kimbra, que me tem estado a influenciar bastante nas coisas que estou a compor agora.

TA: E fora da música, no Cinema por exemplo?

AM: O cinema está sempre presente! Não é só o cinema, sou muito inspirada por histórias de séries que vejo. É uma coisa que é da nossa geração. Por exemplo, a “Beijing”, que foi a primeira música que eu fiz, começa com uma senhora a falar que é um sample de um filme do Wong Kar-Wai, e aquela música é toda inspirada um bocado nos filmes dele, de que eu sou super fã. Aquele ambiente anos 60 asiático, é muito giro.

TA: Isso também está ligado a essa identidade um pouco nostálgica e até melancólica em algumas partes…

AM: Exato é isso! Tem um bocado isso, aquela saudade de qualquer coisa que já foi melhor…

TA: Então, como é que chegaste ao nome do projeto, Sequin, e daí ao nome do álbum, Penélope?

AM: O nome do projeto surgiu na letra da Beijing. Havia lá uma parte em que eu falava de “sequins”, que são lantejoulas em inglês, só que entretanto cortei essa parte da música. Mas a palavra ficou sempre, “sequin, sequin, sequin”… E depois achei que se relacionava muito com o projeto: “Sequin” é só uma lantejoula; as músicas eram super brilhantes; eu era a única pessoa no projeto. Sabia que ia ter montes de problemas com as pessoas a dizer bem o nome, mas eu não me importo com nada disso. O importante é as pessoas conhecerem e gostarem, mas se não gostarem está na boa.

TA: Achas que fica mais engraçado “Sequin” em inglês, ou “Cequim” [moeda de outro antiga] em alentejano?

AM: (risos) “Cequim” é muito bom… lá em cima é “céquin” (risos)… Eu acho super engraçado as pessoas dizem como quiserem. É muito engraçado, acabas sempre por redescobrir nomes novos.

A escolha do nome do álbum foi porque na altura me deparei com a história da Penélope, que ficou 20 anos à espera do marido a fazer e a desfazer um tapete para evitar os pretendentes. E acho que acabei por gostar da história porque normalmente toda a gente fala mais dele (Ulisses) do que dela. E ela esteve ali durante vinte anos a aguentar um reinado…

"Trabalhar da música a tempo inteiro é muti difícil, é quase utópico."

TA: O projeto também foi uma espécie de espera…

AM: Exato, para mim foram quase dez anos a trabalhar sem pensar se vai correr assim ou vai correr assado, e a seguir posso contar com isto ou não, ou será que as pessoas gostam… Nunca houve coisas muito concretas, e de repente essa dedicação que eu sempre tive à música, nunca parei, compensou! Concretizei tudo num álbum, que foi uma grande vitória! Porque não é propriamente fácil, em Portugal, lançar uma coisa assim, em nome próprio, do nada, e foi um pouco essa metáfora da Penélope. Cá está, ela dedicada ao marido e com aquela fidelidade infinita, sem ter a certeza do que é que o futuro lhe iria reservar e eu com a música. Continuei a perseverar até que tive esse resultado. Portugal é um país pequeno, para pessoas que querem trabalhar da música a tempo inteiro é muti difícil, é quase utópico.

TA: Como é que foi a tua relação entre os produtores, editoras, a concretização material e comercial do projeto, e por outro lado o reconhecimento do público?

AM: Em termos da indústria, eu já tinha algum contacto com a minha editora. Aí acho que as coisas me foram facilitadas. Em Portugal é uma coisa de tu conheceres as pessoas certas, e quem diz que não acho que está a mentir (risos). É muito isso, dares-te a conhecer e conheceres toda a gente possível e imaginária.

Em termos de produtor, por exemplo, o Moulinex trabalhou comigo no álbum, foi também uma coisa assim. Ele acabou por ouvir a minha música, tínhamos um amigo em comum, ele falou comigo, acabámos por experimentar e demo-nos bem. Eu tinha uma certa ideia para o álbum, ele conseguiu concretizar isso e foi fácil trabalhar com ele.

"Tanta gente a gostar, a conhecer, a ir aos concertos, foi uma surpresa!"

Depois, em termos do público, não estava com muito medo que as pessoas gostassem ou não, porque eu estava satisfeita. Não faço música propriamente para agradar aos outros, eu tenho um objetivo e se eu o concretizar vou ficar contente. Depois, e óbvio, se ninguém gostar eu vou ficar triste. Mas não estava muito preocupada com isso. Já tive tantos anos em que as coisas nunca se concretizaram que eu não estava à espera de ter tantas boas reações. E tanta gente a gostar, a conhecer, a ir aos concertos, foi uma surpresa!

TA: Até que ponto teres ido para Lisboa alterou ou influenciou alguma coisa?

AM: A música beneficiou muito com isso, porque eu acabei por ir para uma cidade onde tudo acontece. Onde sais ou vais ver um concerto e acabas por conhecer as pessoas que estão a tocar, os managers e o pessoal da editora, a malta dos espaços onde estão a tocar, e aconteceu-me também um bocado isso. Conheces muitos músicos, as pessoas saem todas no mesmo sítio, é um círculo muito pequenino. E é óbvio que a minha música beneficiou muito com isso, porque estava numa cidade que é o centro de tudo.

TA: O que podemos esperar do projeto, o que é que está a ser preparado?

AM: Estamos a preparar um trabalho novo, para apresentar em 2016. Mas eu estou sempre muito mais à frente no processo criativo do que a indústria permite. É tudo muito lento, toda aquela máquina por trás de um álbum, demora muito mais tempo do que fazer música. Todas as semanas faço uma música ou duas, e acabo por ter imenso material. Por isso, quando estou para lançar uma coisa, já estou a trabalhar para lançar outra. É assim, sairá daqui muita coisa nos próximos tempos. Para o ano, um trabalho novo, um EP.