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Ricardo Jorge Claudino

O miradouro da recompensa

Ao subir o pequeno monte que a planície erguia,

fitava a linha que separava o céu do chão.

 

As minhas pernas, cansadas,

espelhavam a incerteza

sobre a recompensa

no final da imponente subida.

Quanto maior a inclinação do monte

mais os pés sentiam,

mais o coração sonhava.

 

Que prémio me esperava?

Sentia a confiança

de um ciclista de montanha

e trazia a certeza

de que um terreno no Alentejo

nunca poderia ser tão inclinado

como uma montanha

nos Alpes franceses.

Como escrever um poema

todas as palavras pecam pelo seu curto significado

o poeta é o pintor de um quadro sem cores

e escreve na esperança de criar a imagem

que suprime mais do que mil palavras

 

o singular do visual tem mais valor do que o plural do abstracto

o suficiente é falar pouco

o instante é mais valioso

é conveniente abrandar o pensamento

 

o poeta não pode deixar que a imagem seja mais forte do que a palavra

é o seu ganha pão

mesmo que as evidências sejam claras

é fundamental defender o próprio ofício

 

Vezes sem conta

Somadas,

todas as poucas vezes que vou à Terra

nunca serão muitas vezes;

no futuro direi que foram

insuficientes,

ou então tentarei agradar a mim próprio

e no pensamento que me convier

assumirei que a quantidade foi fraca;

mas, ainda assim, tudo me valeu a pena

pela qualidade das poucas vezes.

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Dieta alentejana

Ao pequeno-almoço como uma popia

ao lanche uma arrufada

antes de chegar o fim do dia

só tenho ganas para uma torrada.

 

Aconselhado pelo senhor doutor

sigo a dieta com muita cautela

não vá a consciência me impor

mais uma sopa de beldroegas.

 

Querem que evite o pão,

o vinho, a batata e o queijo;

quem me tira tanta emoção

tira-me o sabor do Alentejo.

 

Mas o sabor é só um sentido

os restantes continuo a apurar

felizmente tenho conseguido

Ode ao Alentejo

Pela planície, pelas espigas, pelo céu que estende,

Pelos campos, pela luz, pelas casas de branca cal,

Pelo calor, pelos montes, pela sorte que depende,

Do barro que molda o pão, do cante patrimonial!

 

Pelas horas, pelo dia, pelos caminhos da história,

Pela monda, pelas ceifeiras, pelo sol que se levanta,

Pelos melros, pela perdiz, pelas asas da glória,

Quem eleva suas dores de orgulho se encanta!

 

— Ó paz; és silêncio na hora da calma,

És a voz altiva do chaparro cantante,

Olhar tudo pela primeira vez

Se a nossa rotina fosse

«olhar tudo pela primeira vez»

quão deslumbrante seriam as coisas?

 

O mar seria tão grande

quanto um grão de areia

e a árvore do tamanho

de quem a vê.

 

Tudo seria homogéneo

e heterogéneo,

estranho?

 

A estranheza não seria mais

que a surpresa de um olhar

no coração de quem sente

— como se fosse a primeira vez.

 

 

Apanha da azeitona

Costuma ser em Novembro

mas tudo é uma questão de tempo.

Tudo tem o seu tempo;

se ainda assim fores com pressa

e provares uma por teimosia,

o paladar chamar-te-á a atenção:

— Anda daí que ainda não é dia!

 

Ah! sempre que chega o dia

— Que preguiça, preguicite, que soneira!

só te apetece ficar a observar

os homens e as mulheres de varapaus nas mãos

sovando a pobre da oliveira.

 

Os oleados no chão

são lenços que amparam as lágrimas;

gotas

       que

Reencontro

Conhecer lugares

conquistar o mundo

ser dono de tudo

descansar deitado

para sempre

— ser nada.

 

quando te olhei

estavas sentado — esperando —

e nesse gerúndio,

do teu lugar que é meu,

apenas me resta a chaminé

que perfumou para sempre

as ruas da minha infância.

 

Nada pode tirar

o que a vida deu.

 

Pode-se ser feliz

onde nunca se foi.

 

Conhecer lugares, conhecer lugares e mais lugares!

 

As cadeiras à noite pela fresca

as cadeiras sentam-se
e arejam a noite
da terriola mais quente.

as vozes saem de casa
e a rua escuta epopeias
exaltadas pela sua gente.

são as primeiras redes sociais
sem seguidores ou amizades formais
o mito do vizinho que enriquece
e o zum-zum da vizinha que enlouquece
não passam de fake news imorais.

mas que bom que é falar sem internet
sem binários mal interpretados
e sem medo da palavra a dizer;
por isso a rua da minha aldeia é assim:
a voz da liberdade a prevalecer.

 

A pergunta

pergunta o velho ao jovem,

sabes o que esta casa gasta?

e prosseguiu sem esperar resposta:

mais do que as contas normais,

o desgaste das paredes e

algumas telhas que vão caindo.

a sombra que persegue a minha voz

é a maior despesa desta casa.

 

o jovem ficou em silêncio

longe da sua própria sombra;

quem cala consente

ou está ausente na fraqueza

de simplesmente concordar.

 

não eram palavras

nem teses fundamentadas

que o velho esperava ouvir.

 

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