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Giuseppe Steffenino

Um palco sem asas

Pouco mais do que uma criança, comecei a apaixonar-me pelo tabuleiro de xadrez. Os jogos noturnos entre o meu pai e o meu irmão mais velho, ambos amadores apaixonados, eram um ritual doméstico de suspensão silenciosa da passagem do tempo e dos acontecimentos. Logo aprendi as regras, que não são complexas, e em pouco tempo comecei a sentir, antes mesmo de entender, que este jogo com mais de mil e quatrocentos  anos, na realidade não é simplesmente um jogo.

Comprei lá uma panela de barro, que ainda uso.

(Eu) Olá, como estás hoje?

(Espelho) Bem, percebes que é a primeira vez que me perguntas?

(Eu) E tens razão. Reconhece que costumas-me dizer coisas irritantes ou desagradáveis.

(Espelho) Refletir sobre o que nos irrita nos outros pode ajudar-nos a entender melhor a nós mesmos.

(Eu) Eu já ouvi essa frase.

(Espelho) Sim, nos livros que estás a ler, mas que não compreendeste.

Contos breves no tempo curvo - Hamza

Há três semanas atrás eu já não aguentava mais.

A minha vida quotidiana com o ser que habita o meu espelho tornara-se impossível. Ele zombou de mim como se fôssemos Groucho e Harpo Marx, com piadas que só a ele faziam rir.

Crónicas de um médico italiano em tempos de pandemia: Qualquer um teria feito o mesmo que eu fiz

Nem sempre é fácil lidar com todas as tarefas que a existência exige de nós. Trabalhar regularmente, tentar ser um pouco alegre - como podemos nesses tempos estranhos - tentar escrever algumas linhas num idioma que não é o meu e, além disso, lidar com um hóspede inteligente, sábio e bem-informado como o que tenho em casa. Na verdade, não sei como chamá-lo se não for um hóspede; já quanto a ser bem-informado, não tenho dúvidas.

Espelho - Boa noite. Não te vi esta manhã.

Eu - Não estive em casa. Dia de folga.

Crónicas de um médico italiano: Porosidade perigosa na fronteira

Há dias em que este tipo muito parecido comigo, que vive no meu espelho quando estou em casa, realmente me deixa enervado. Ele sabe perfeitamente que argumentos destacar no que eu não gosto de ver e faz-me dizer – talvez apenas por despeito - o que eu detesto ouvir. Ele também me faz perguntas e lança enigmas que eu deveria saber dar resposta, mas que não me ocorrem no momento. Outras vezes, no entanto, faz-me descobrir ou relembrar coisas engraçadas.