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Beatriz Velez

Sobre viver: sobreviver

A pessoa certa nunca lê isto. Por vezes, lê, mas não lhe fica preso no pensamento. As pessoas certas nunca leem isto. Os indivíduos (in)certos nunca passam pela sobrevivência; viver é tão mais leve, não é? Sobre(viver) é tão duro. E sorrir custa muito mais do que ficar com o meu corpo nu em contacto com os meus lençóis de cetim enquanto conto as lágrimas que escorrem pelas minhas mãos. Não quero fingir nem aguento mais sobre(viver).

C(alma) comigo

(Lê isto antes de eu me ir embora. Leva-me de volta à noite em que nos conhecemos – em que me conheci.)

Lição ao meu eu heurístico e existencialista

Sacrifico o meu coro ao afirmar que já não és a mesma menina escritora, até porque já foste capaz de admitir que a fragilidade humana está incutida no nosso sangue, e não estamos aptos a suportar todos os choques desta vida que atingem o (a) nosso (nossa) corpo (alma). A vida mata; o amor mata, e deixa-me que te diga que não voltaria a deixar morrer o meu interior outra vez; só para poder sentir a intensidade dessa tua vida repleta de benevolência, dessa tua dor. Mas sabes que a felicidade corrói a inevitabilidade da humanidade e, consequentemente, também a minha pele.

A Caixa de Pandora

“Pára. Pára de tentar. Pára de esconder o sofrimento e as frustrações debaixo da tua almofada; é lá que descansas a tua mente e onde os teus pensamentos sonham”. Sou a que tudo tem e a que tudo tira. Hesíodo fala sobre mim, e diz: “Dela vem a raça das mulheres e do gênero feminino / dela vem a corrida mortal das mulheres / que trazem problemas aos homens mortais entre os quais vivem, / nunca companheiras na pobreza odiosa, mas apenas na riqueza”.

Autosabotagem

Desconsidero qualquer tipo de saudação para esta redação, pois não cumprimento quem não é correto e já saiu de mim há muito tempo; e também porque é particularmente difícil para mim escrevê-la, e ainda tive de consumir uns sete cigarros antes de me iniciar. Aviso, desde já, para teres cuidado sempre que lês as minhas palavras, porque estás a vestir a minha alma sufocada, mórbida; espero que saibas como utilizar tal vestimenta. Eu dispo-me para todos vós sempre que escrevo. Decomponho-me sempre que vos escrevo. Suplico um enorme respeito, porque já sei que se o pedir não mo vão dar.

Oxímoro

Perdi a oportunidade de estar calada. Já havia sufocado há uns dias, e as palavras saíram disparadas como punhais, imperdoavelmente; perdoa-me (ou não). Sinto que não estou bem e nada está mal. Fecho os meus olhos. Inspiro; mas suspiro. Nada vejo. Nada sinto. Já nada me arrepia. Rogo-te por uma excomunhão; sentirei algo?

T(E)U

Estou sentada à beira do (nosso) rio e observo o carinho suave entre o laranja do céu e a água. Porque está tudo tão cinzento, e tão frio? Foco-me nas árvores, e as folhas dançam consoante o vento. Não aguento o buraco que tenho no meu peito (dói tanto), e acendo um cigarro enquanto aprecio soft grunge e caminho pela calçada; a tua calçada. A minha mente é dissolvida nas memórias construídas ao nosso redor e quero gritar-te que o passado não tem de ser parte de nós. Nós somos algo novo e prosperamos no presente.

Confissão ao meu amor (im)possível

Mil e uma desculpas ao meu amante desconhecido. A ti. Desculpa-me.

Creio que o meu amor tem ossos frios e se esconde como o vento entre as folhas de todos os jacarandá-mimosos.

Creio que o meu amante descansa o seu corpo numa cama com lençóis frios e eu não quero verter mais lágrimas, mas eu quebro a minha alma assim mesmo.

Dói

Dói - digo-te. Está a doer - aviso-te. Permaneces com o meu coração nas tuas mãos. Apertas com força. Pára, nada. Mas tu não te importas minimamente com isso. Continuas com as mesmas ações; aquelas que são inexistentes. Sei que odeias correr riscos; não poderás abrir uma exceção? Não gostas de caos, organizas tudo. Qual é o meu lugar? Nada fazes. Nada dizes. Tampouco praticas.

Eu não sou capaz de te mentir; tu és? Serias capaz de admitir todas as palavras que tens engolido? Oxalá não sufoques. Como saberei, então?

Verne – O Verme Do Verbo

Sobrevivi. Eu, hoje, sobrevivi. Não sorri. Não me ri. Não brinquei. Não me senti feliz. Nem me senti triste. Muito menos, vivi. Eu apenas sobrevivi; e tudo bem com isso. E se tudo o que eu fiz hoje foi aguentar-me até chegar a casa, abrir a porta do meu quarto e atirar-me para o colchão da cama, já foi alguma coisa; fiz algo, e estou orgulhosa de mim mesma.

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