22 Abril 2014      01:00

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Quanto vale um voto?

Com a aproximação das eleições para o parlamento europeu, estas começam a estar na ordem do dia em todos os meios de comunicação social. Muito se vai dizendo e escrevendo sobre este assunto, pelo que, pouco a pouco, a estratégia de cada um dos partidos, a composição das listas de cada partido e a coligação entre PPD/PSD e CDS/PP, vão-se tornando tema de conversa. No entanto para muitos o método usado para converter os votos em mandatos é completamente desconhecido.

O sistema eleitoral

Um sistema eleitoral é um conjunto de regras que regula os tipos de informação que os eleitores são autorizados a transmitir numa eleição (o “voto”) e que permite fazer corresponder um número de votos de eleitores, nos candidatos e/ou partidos políticos, a um número de mandatos numa assembleia representativa.

Os sistemas eleitorais podem dividir-se em duas grandes categorias: o sistema de representação maioritária e o sistema de representação proporcional. Em Portugal são usados os dois tipos de sistemas eleitorais.

Para a eleição do Presidente da República é usado o sistema eleitoral de representação maioritária, na sua variante de “duas voltas”. Este sistema estabelece que é eleito o candidato que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos (maioria absoluta). Caso nenhum dos candidatos obtenha a maioria absoluta, na primeira volta, haverá um segundo sufrágio. Neste, concorrem apenas os dois candidatos mais votados na primeira volta e será eleito o candidato que obtiver maior número de votos.

Nas eleições para a Assembleia da República, Autarquias Locais e Parlamento Europeu, o sistema eleitoral usado é o de representação proporcional. Neste sistema os mandatos são distribuídos proporcionalmente de acordo com os votos obtidos por cada lista. Os métodos existentes para fazer esta distribuição são vários, no entanto nas eleições políticas em Portugal1 e na generalidade das democracias ocidentais o método usado é o método de Hondt.

O método de Hondt

Criado pelo jurista belga Victor D'Hondt, o método de Hondt é um algoritmo matemático que converte votos em mandatos e pretende assegurar a representação das diferentes correntes de opinião de modo a que correspondam ao seu peso na sociedade.

A aplicação do método de Hondt consiste na divisão sucessiva do número total de votos obtidos por cada candidatura pelos divisores 1, 2, 3, 4, 5, … e atribuição dos mandatos em disputa por ordem decrescente dos quocientes resultantes das divisões. Em Portugal está legalmente prevista uma correcção ao método Hondt. Caso falte atribuir o último mandato e se verifique igualdade do quociente em duas candidaturas diferentes, tal mandato será atribuído à que, em termos de resultados totais, tenha obtido menor número de votos.

Para exemplificar a conversão de votos em mandatos através do método de Hondt, vamos usar os resultados da eleição de 2009 dos deputados portugueses para o parlamento europeu. A esta eleição concorreram 13 forças partidárias (partidos/coligações) em disputa dos 22 lugares de deputado no parlamento europeu.

A tabela seguinte resume o processo de conversão de votos em mandatos.

Na 1ª linha aparece o total de votos obtidos por cada uma das forças partidárias (esta linha corresponde à divisão por 1). Na 2ª linha aparece o resultado (quociente) da divisão, do número total de votos, por dois. Na 3ª linha os resultados da divisão por 3 e assim sucessivamente.

Total de votos        1129243 (1º)      946475 (2º)       382011 (5º)        379707 (6º)         298057 (9º)

Divisão por 2           564622 (3º)        473238 (4º)       191006 (13º)     189854 (14º)      149029 (19º)

Divisão por 3           376414 (7º)        315492 (8º)       127337 (22º)     126569                 99352

Divisão por 4           282311 (10º)     236619 (11º)     95503                 94927                  74514

Divisão por 5           225849 (12º)     189295 (15º)       76402                 75941                  59611

Divisão por 6           188207 (16º)     157746 (18º)     63669                 63285                  49676

Divisão por 7           161320 (17º)     135211 (21º)       54573                 54244                  42580

Divisão por 8           141155 (20º)     118309                 47751                 47463                  37257

                               PPD/PSD              PS                        BE                  PCP/PEV            CDS/PP

 

Percorrendo, por ordem decrescente, os quocientes resultantes das divisões faz-se a atribuição dos mandatos. Como se pode ver acima, o 1º deputado eleito foi do PPD/PSD pois foi o partido com mais votos obtidos (1129243). O 2º deputado foi do PS pois ao total de votos obtidos pelo PS corresponde o 2º maior valor da tabela (946475). O 3º deputado eleito foi novamente do PPD/PSD pois o quociente da divisão por dois dos votos obtidos por este partido (564622) é superior a todos os valores que constam da tabela e ainda não foram usados. O seguinte, 4º valor mais elevado da tabela, é referente à divisão por dois dos votos obtidos pelo PS pelo que o 4º deputado será do PS. Este processo continua até serem atribuídos todos os 22 mandatos.

Como resultado desta conversão de votos em mandatos, o PPD/PSD conquistou 8 lugares no parlamento europeu, o PS conquistou 7, o Bloco de Esquerda , 3, e o PCP/PEV e o CDS/PP dois lugares cada.

Apesar de ser o método mais usado no mundo, o método de Hondt não é perfeito. Entre as suas características podemos destacar o facto de este sistema beneficiar os partidos maiores e encorajar a formação de coligações, uma vez que o agrupamento de partidos possibilita a obtenção de mais mandatos do que concorrendo em separado.

Se, numa eleição, uma coligação de dois partidostiver tantos votos quanto a soma dos votos de cada um deles, o número de deputados eleitos pela coligação é superior em uma unidade ou igual à soma dos deputados eleitos por cada um dos partidos se considerados separadamente. Para exemplificar, vamos recorrer novamente aos resultados das eleições europeias de 2009.

Vejamos o que teria acontecido se a Aliança Portugal4 se tivesse apresentado a votação nas últimas Eleições Europeias. Partindo do pressuposto que a coligação teria obtido um número de votos exactamente igual à soma dos votos obtidos pelos dois partidos (1427300 votos) e aplicando o método de Hondt, acima descrito, verifica-se que a distribuição dos 22 lugares de deputado pelos partidos seria distinta da determinada anteriormente. A Aliança Portugal conquistaria 11 mandatos (ou seja, mais um do que a soma dos mandatos que PPD/PSD e CDS/PP obtiveram concorrendo separadamente), o PS conquistaria 7, o Bloco de Esquerda conquistaria 2 e o PCP/PEV também 2.

 

1   Artigo 16º, a Lei Eleitoralpara a eleição da Assembleia da República

Por uma questão de simplificação do processo, neste exemplo, só foram considerados os partidos que elegeram deputados.

Generalizando este princípio, uma coligação de n partidos elege no máximo mais n - 1 deputados do que a soma do número de deputados eleitos por cada um dos partidos, mas nunca pode eleger menos.

Nome da coligação PPD/PSD – CDS/PP para as eleições europeias de 2014