24 Junho 2014      01:00

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Presidente Mujica, revolucionário ou populista?

Porque é tão popular o presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, um ex-guerrilheiro marxista de 78 anos, que passou 14 anos da sua vida preso?

Resumidamente porque legalizou o consumo de cannabis, o aborto e porque despreza os privilégios do cargo que ocupa. Segundo Medea Benjamin, a activista norte-americana, o presidente Mujica é o mais progressista dos presidentes e a sua criatividade tem colocado o Uruguai nas bocas do mundo.

Para a maioria dos ocidentais Mujica pode parecer apenas um populista mas o seu comportamento tem-se revelado mais sólido que isso.

Medea conta que o presidente Mujica, na visita recente que fez aos Estados Unidos, revelou-se tão extraordinariamente genuíno quanto aparentava. Num encontro com Barack Obama disse achar que os americanos deveriam fumar menos e aprender a falar mais idiomas. Numa sala cheia de empresários (na Câmara de Comércio Norte-Americano) falou dos benefícios da distribuição de riqueza e do aumento dos salários da classe trabalhadora. Numa universidade e perante os estudantes defendeu que não existem guerras justas. Fosse qual fosse a sua audiência o presidente Mujica desarmava com a sua honestidade e espontaneidade. Simplesmente ganhou a simpatia de todos para quem discursou.

Tanto que Medea Benjamin resolveu elencar 10 motivos para amar o Presidente Mujica.

Primeiro motivo: Mujica recusou viver no palácio presidencial e prescindiu do “cortejo motorizado” a que os presidentes têm direito no exercício das suas funções. Em vez disso optou por continuar a viver na sua pequena quinta com a sua esposa e a conduzir um velho Carocha de 1978.

“Durante muitos anos da minha vida eu teria ficado feliz apenas com um colchão” refere o presidente Mujica, lembrando o tempo que passou na prisão. Para além disso decidiu doar 90% do seu salário de 12 000 dólares a instituições de caridade, o que o coloca em termos de renda no patamar de um cidadão uruguaio comum. Quando o apelidaram de o presidente mais pobre do mundo retorquiu: “Pobre não é aquela pessoa que vive com pouco, mas aquela que precisa de mais e mais e mais. Eu não vivo pobre, vivo com simplicidade. Não preciso de mais do que tenho para viver”.

Segundo motivo: Foi pioneiro apoiando a legalização do consumo de cannabis:” Em nenhuma parte do mundo a repressão ao consumo de drogas deu resultados. Vamos tentar algo diferente”, declarou Mujica então. Daí para cá a lei permite que os indivíduos cultivem até um certo montante anual, o preço é controlado pelo governo e a droga é vendida nas farmácias. Consumidores, vendedores e distribuidores têm de ter uma licença. O que espera Mujica? Retirar o mercado aos traficantes e tratar o vício das drogas com uma questão de saúde pública. A experiência promete ecoar em todo o mundo.

Terceiro motivo: Mujica assinou em 2013 a lei que transformou o Uruguai no segundo país da América Latina (a seguir à Argentina) a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Para Mujica tratou-se apenas de reconhecer a realidade: “Não legalizar seria uma tortura para muitas pessoas”, adiantou. Hoje os homossexuais podem mesmo servir nas forças armadas do País.

Quarto motivo: Mujica não teme as grandes corporações a ver pela guerra que lançou ao gigante tabaqueiro norte-americano, o colosso Philip Morris, que está a processar o Uruguai em 25 milhões de dólares no Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre investimentos. E porquê? Porque Mujica promoveu um pacote de leis rígidas sobre o cigarro que inclui a proibição de consumo em espaços públicos fechados e a obrigatoriedade de inclusão nos maços de rótulos de advertência sobre os efeitos na saúde. Esta batalha com o Golias norte-americano pode vir a ter repercussões a nível global.

Quinto motivo: Mujica empenhou-se na legalização do aborto no seu país, que havia merecido o veto do seu antecessor. Apesar de tudo a lei no Uruguai tem maiores limitações que a americana e europeia. Ela permite o aborto dentro das 12 primeiras semanas de gestação e exige acompanhamento de médicos e assistentes sociais, para que a mulher saiba dos riscos e dos efeitos colaterais de um aborto. Apesar das limitações é a mais liberal das leis sobre o aborto tendo em conta o contexto católico e conservador da sociedade latino-americana.

Sexto motivo: o presidente Mujica é um ambientalista que considera que o consumo tem de ser refreado. Nas conferências do Rio de Janeiro em 2012 Mujica criticou duramente os modelos de desenvolvimento promovidos pelas sociedades mais ricas defendendo que “Nós podemos reciclar praticamente tudo. Se vivêssemos dentro das nossas necessidades, se fossemos prudentes a esse ponto, os 7 bilhões de pessoas no mundo teriam tudo o que elas precisam. As políticas globais deveriam caminhar nesse sentido”, defendeu.

Mais recentemente o presidente do Uruguai rejeitou um projecto comum com o Brasil que iria fornecer energia barata ao seu país através do carvão. Justificou que temia os danos ambientais que semelhante plano implicaria no país.

Sétimo motivo: Mujica tem focado a sua presidência na redistribuição da riqueza nacional, defendendo que reduziu já a pobreza no Uruguai de 37% para 11%. “Os empresários apenas querem aumentar os seus lucros; cabe ao governo garantir que eles distribuam o suficiente desses lucros para que os trabalhadores tenham dinheiro suficiente para consumir os bens que produzem”, defendeu ele na Câmara de Comércio Norte-Americano. “Não é mistério algum que com menos pobreza se dá mais comércio. Os investimentos mais importantes que podemos fazer são os nos recursos humanos”.

O controlo de preços de bens essenciais como o leite e o fornecimento de educação e computadores gratuitos a todas as crianças estão incluídos nas suas políticas de redistribuição.

Oitavo motivo: Mujica ofereceu-se para receber os prisioneiros libertados da prisão americana de Guantánamo, em Cuba, apelidando-a de “desgraça” e defendendo a responsabilidade do Uruguai em ajudar a encerrar aquele centro de detenção. A sua proposta não é popular no Uruguai, mas Mujica, que foi um prisioneiro político durante 14 anos, diz que deve ser feito “pela humanidade”.

Nono motivo: o presidente Mujica opõe-se à guerra e ao militarismo. “O planeta consome a cada minuto 2 milhões de dólares em recursos militares”, exclamou perante os estudantes da American University. “Eu costumava acreditar na existência de guerras nobres e justas, mas não acredito mais nisso”, disse o ex-guerrilheiro. “Hoje acho que a única solução para todos os conflitos é a negociação. A pior negociação é preferível à melhor guerra e a única maneira de garantir a paz é cultivar a tolerância”.

Medea aponta ainda um décimo motivo, o facto de Mujica ser inseparável da sua cadela de três patas, que ele próprio atropelou acidentalmente com um tractor.

E conclui que a influência do presidente Uruguaio vai muito para além de ser um líder de um pequeno país com 3 milhões de habitantes. Num mundo faminto por alternativas, a inovação das suas políticas colocaram o Uruguai no mapa mundial como um dos governos mais progressistas, criativos e empolgantes de sempre. 

Fotografia: Agência Efe (16/05)