7 Setembro 2014      00:09

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Política, empreendedorismo, os ”Carlos” e outras circunstâncias

Pode até parecer mais um título de um filme meio louco de Pedro Almodóvar, mas é só o fruto do turbilhão de ideias (montes e montes delas) e opiniões em avulso que deambulam pelos meus hemisférios cerebrais todos os dias. Deu-se o feliz acaso de hoje (sexta 5 de setembro) ter tido a capacidade (rara, diga-se em dom da verdade) de juntar quatros linhas de pensamento/acontecimentos numa mesma esquina de um brainstorming filosófico e de, entre elas, se terem relacionado.

Vejamos, então.

Brainstorm geradora

Há cerca de uma semana o artigo da Rita Paias, aqui no Tribuna, intitulado “O prazer da política”, deixou-me a pensar sobre as razões que me levam a olhar para a política como essencial à sobrevivência da espécie. É inevitável, neste ponto, recordar as palavras e a expressão do meu avô quando lhe disse que me tinha inscrito numa juventude partidária. Olhou para mim complacente, agitando a cabeça como se pensasse “coitadinho, onde te vais meter”. Senti isso, mas à mesma fui de cabeça. Não me arrependo, e sei que ele sabia disso, que era tarde demais. A culpa, em parte, foi dele, do seu altruísmo, da sua vontade de fazer mais por aquilo que o rodeava e de arranjar dores de cabeça sem necessidade. Foi presidente de junta de 1986 a 2005. Tinha partido, mas apoiava as pessoas em quem acreditava, em quem reconhecia valor, fossem quem fosse, viessem de onde viessem. Soube renovar e renovar-se ao longos destes anos e acreditar nos mais jovens que a ele se seguiam.

Eu continuei o meu caminho; fui olhando à volta e percebendo que a política está em tudo e em todos os níveis; seja em que nível for, se se deseja que corra bem, deve respeitar dois princípios: o da justiça (o do bom senso) e o do humanismo (as pessoas e o seu bem estar devem ser a preocupação central). Desenvolvi os meus ideais, as minhas ideias, os meus projetos e o meu caminho. Cansei-me, parei, afastei-me, voltei. Algures neste percurso tive o prazer de conhecer muitos jovens válidos, com vontade. Uns ficaram pelo caminho, desistiram e não voltaram (alguns nem votam!); outros seguiram o seu caminho, imunes ao partidarismo (outros nem tanto) e cientes da sua crença, da sua missão vão deixando a sua marca.

Ligação 1

Surge o primeiro elo. Hoje (sexta 5 de setembro), a Associação Alentejo de Excelência lançou o livro “Talento no Alentejo”. Relação: há uma década atrás, eu estava com o Carlos Sezões no início desta associação. Sendo, ele, pessoa empreendedora e persistente, a associação simboliza estes valores que tanto se apregoam, mas que pouco se “abençoam”. Este livro relata alguns casos de sucesso de empreendedorismo no Alentejo e de jovens que se recusaram a virar as costas e estão cá a fazer pela vida, pela terra, pelo bem comum. Isto é bom, uma pessoa deixa de se sentir louca com o vento suão e pensa que “Afinal há para aí mais! Pode ser que ainda se mude alguma coisa.” Ora se esta juventude que demonstra ter valor, independentemente do partidarismo, alargasse o seu horizonte político à política partidária, às instituições públicas que nos regem, talvez se pudesse mudar o país. Mas a política partidária quer jovens que mexam com o status, solene e confortavelmente instalado?

Ligação 2

Já disse várias vezes que o modo de fazer política “à la tuga” está gasto. Transformaram algo essencial à vida em sociedade e deram-lhe um toque permanente de incompetência e descrédito. O texto “Fariseus”, do jornal Expresso do passado 30 de agosto é disso exemplo. Muitos se serviram em vez de servir. A renovação da política é essencial à democracia, tal como a renovação dos políticos. Nos últimos tempos as notícias sobre a persistência dos suspeitos do costume tem sido uma constante a todos os níveis. A nível macro, as trocas permanentes de Putin e Medvedev nos cargos de presidente e primeiro-ministro da Rússia levaram à subversão total dos princípios democráticos, fazendo derrapar o país para o oligarquismo e arrastando a Europa para a já existente guerra “morna”. A nível micro, o “Elvasgate” (situação política caricata para a democracia) pôs a nu que a lei de limitação de mandatos (partamos do princípio de que se todos tivessem bom senso não seria necessária) só pecará por defeito e não por excesso. Que presidente de câmara, com trabalho realizado, com boa imagem, se expõe a ser candidato como vereador (como presidente já estava no limite)? Que propósitos movem esta ânsia de estar? O final a que se assistiu era previsível e evitável. Os verdadeiros líderes criam a sua sucessão, permitem a ascensão e a evolução dos que os rodeiam; só assim se aprende com o passado e se pode construir o futuro numa base sólida. Penso eu.

Ligação 3

Também aqui no Tribuna lia o artigo “Recomeçar no Outono” e pensava “foi por isto que as primárias do PS forma marcadas para setembro!” Talvez; não me parece que a razão das eleições serem agora esteja relacionada com o romantismo do artigo, no entanto, vem a preceito na minha ligação de ideias. Sendo o outono uma época de renovação, estas eleições primárias marcam já uma evolução na política democrática cá do burgo. Os partidos têm que abrir-se à sociedade, despir-se de preconceitos e mostrar sem receios e com clareza nos seus processos e funcionamento. Pena a roupa suja que se andou a lavar ao longo destes meses, mostrando à sociedade que a questão, os problemas, não se prendem só com o modo de eleição, é também com o modo de ser e estar. Há hábitos e costumes que têm que ser banidos. Há credibilidade que necessita ser restaurada e isso não se consegue com mais do mesmo.

Agora percebo o meu avô, só me queria poupar; evitar que me sentisse melancolicamente reconfortado e acompanhado nas palavras de Antero de Quental "Cada fez sinto mais o falso da minha posição nesta terra lusitana. Não me entendo com homens e coisas: apenas com os céus e os montes: mas isto não é suficiente". Mas avô, felizmente há por aí muitos “Carlos” que mais tarde, ou mais cedo, terão que agarrar as rédeas e, pelo menos, tentar fazer diferente, fazer melhor; fazer como tu fizeste: deixar o mundo algo melhor que aquele que encontraste à nascença.

 

Foto de Mário Crista