30 Dezembro 2014      00:00

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O Monstro!

E eis que volvido mais um ano se cogita, entre algures e nenhures, no quão importante e mui nobre é a vida. A vida de todos os dias, que se organiza em torno da necessidade de se obter retribuição pelo trabalho e, bem assim consumir até ao último cêntimo dos nossos, cada vez mais, elegantes salários.

E a visão que propomos do consumo não é em nada depreciativa, pois este confere também a possibilidade de suprir às necessidades básicas e, na mesma senda, de escapar ao monstro do nosso tempo. Nas famigeradas superfícies comerciais vendem-se as últimas tecnologias, ao lado das futilidades que colocamos aos pés dos pinheiros de natal. Porém, algures naqueles corredores, também se vende comida, roupa e outros tantos consumíveis sem os quais a vida não era vida.

E assim se organiza a vida, ora trabalhando, ora gastando para viver. E este ciclo rege-se pelos pressupostos básicos da necessidade de remuneração como corolário à priori do Direito à Vida. O confronto com o monstro ocorre no dia em que cessa o direito à remuneração e se fica à mercê da boa vontade.

Cada país retorque diferentemente às ofensas do monstro. A tradição germânica, do tipo bismarkiano, pende para uma proteção do trabalhador que cotiza para a sua desgraça. Em Inglaterra, ao invés, impera uma proteção de pendor universalista, do tipo beveridgiano, que protege a todos, independentemente do estatuto de trabalhador. Já o modelo americano, dito liberal, confere a cada individuo a responsabilidade de lidar com o risco de dar de caras com o monstro. A resposta é, amiúde, oferecida pelos agentes privados que vendem uma proteção tanto mais cara quanto mais forte e resistente for a carapaça.           

O drama entre nós reside na crueldade do monstro, mas não somente. Também a nossa carapaça se tem revelado quebradiça. Os rapazotes do sul, enfrentam o monstro com umas inúteis carapaças, mas quase nunca combatem sós. É a família mais próxima que destemidamente cerra os punhos e, com sede de vingança, fita aquele monstro nos olhos. Diz em surdina: venceremos!

A verdade inexorável que não queremos contornar é a que aponta, segundo os resultados do inquérito às condições de Vida e Rendimento, publicados pelo INE, em Março de 2014, para um número cada vez maior de portugueses expostos ao risco de pobreza (18,7% da população em 2012), ao que acresce o incremento das desigualdades entre ricos e pobres, desde 2009 até 2012.

A teimosia do executivo no que concerne à política de austeridade propugnada, teve por efeito tornar mais vulnerável o sistema de ajuda implementado, que tinha na família a sua tábua salvação. Os menores vencimentos que se auferem, designadamente na função pública, associados às reduções drásticas nas prestações sociais e ao desemprego revelaram ser uma mistura explosiva.

Vem assim tomando forma um sistema hibrido, que vê na ausência de soluções a sua principal característica. Uma vez que o welfare state à portuguesa não oferece uma verdadeira solução para a perda do poder de compra das famílias é todo o sistema de ajuda que se encontra comprometido, com resultados óbvios na estrutura social do país.

A emergência social consiste em perceber que o monstro, que houvera chegado em 2009, veio para ficar. E como o recito quase que impõe, aproveito para agradecer à minha família que nunca recuou diante do monstro.