21 Maio 2014      23:47

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A Geração de 70 de 2014

A Geração de 70, os da Questão Coimbrã, em pleno séc. XIX, surgiu da partilha de ideias de um grupo de intelectuais que teve a intenção de revolucionar várias dimensões da sociedade portuguesa: política, literatura, cultura etc. Queriam tirar Portugal da apatia que se generalizava e que, tal como hoje, se instalava. Queriam promover uma profunda transformação na ideologia política e na estrutura social portuguesas, que na época, tal como hoje, era necessária! Queriam instaurar os princípios da Revolução francesa, ideais que fortaleceriam a estabilidade e o progresso do país. Eram pessoas que tinham tido contacto com as culturas mais evoluídas da Europa da época e sabiam do enorme fosso que separava Portugal desses países, na época, tal como hoje. Falamos de homens como Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Teófilo Braga, Eça de Queirós, Oliveira Martins, entre outros.

Vencidos da Vida

Mais tarde, já em Lisboa, o mesmo grupo continuou a levar a cabo alguns projetos no sentido de conseguir os propósitos anteriores. Deste modo surgiram o Cenáculo e as Conferências do Casino na primavera de 1871. Aí foram debatidos todos os grandes problemas da cultura humana, assunto políticos, sociais, religiosos, filosóficos, económicos etc. em debates exaustivos e exaltados. Alguns dos princípios motivadores dessas conferências eram os seguintes:

“Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelec­tuais do seu tempo; o que todos os dias a humanidade vai trabalhando, deve também ser o assunto das nossas constantes meditações.

Abrir uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento do século, preocupando-se sobretudo com a transformação social, moral e política dos portugueses;

Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada; (…) Têm elas (as conferências) uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a opinião com o estudo das ideias que devem presidir a uma revolução, de modo que para ela a consciência pública se prepare e ilumine, é dar não só uma segura base à constituição futura, mas também, em todas as ocasiões, uma sólida garantia à ordem.” Também aqui, não será difícil perceber as similaridades com o Portugal de hoje!

Havia a necessidade de marcar um novo ciclo político, tal como agora! E a 18 de maio, de há 143 anos, surgiu na imprensa um manifesto assinado pelos pensadores já referidos e por mais nomes como Adolfo Coelho, Augusto Soromenho, Manuel de Arriaga, além de outros. Esta publicação marcou a abertura à sociedade de modo mais massivo. O manifesto apontava linhas de pensamento e reflexão sobre as mudanças políticas e sociais que o mundo sofria na época. Mostrava o conhecimento abrangente das sociedades europeias ao nível das transformações sociais, morais e políticas e daquilo que se desejava para Portugal e recusava veementemente a continuação da caminhada de Portugal para o abismo.

Esta geração, não conseguiu impor as suas ideias, e o próprio Eça de Queirós acaba por denominá-los por “os vencidos da vida”!

"Na vida ou se abre caminho ou se cava a sepultura." Hippolyte Taine

A história é escrita pelos vencedores, é certo, mas não consigo deixar de esconder um certo fascínio romântico por quem luta por causas tão nobres como o fizeram em 70 do séc. XIX. É preciso que alguém se levante e mostre uma verdadeira alternativa ao estado atual. Não basta eleições! É necessário mudar por completo a lógica política e cultural portuguesa de hoje. A geração de 70 pode não ter imposto os seus ideais, mas certo é que 143 anos depois, ainda há quem os defenda.

Quis a coincidência que este 17 de maio marque também a saída virtual da Troika de Portugal. Mas a Troika, na prática, não sai. Ficará durante muitos anos marcada no seio das famílias portuguesas que continuarão a pagar por erros que não cometeram. O país, agora sim, está de tanga! Reitero, o país! Porque, contrariamente ao que um projeto de governante defendeu, se o país não são as pessoas, o que é?

Ramalho Ortigão escreveu numa carta a João do Amaral o seguinte: (…) «a guerra social incessantemente prestes a rebentar em episódios sangrentos; a anarquia moral precedendo e anunciando a anarquia civil e administrativa, cujos pródromos são sensíveis por toda a parte... Enfim, para que prolongar este paralelo entre a República tal como ela funciona, como não poderia deixar de funcionar; e a República tal como a sonharam os melhores dos nossos antepassados?»

Está mais que a hora de mudar! Não só Portugal, mas também a Europa. Com as eleições Europeias à porta, é necessário retomar os princípios humanistas e democráticos que levaram à constituição da União Europeia; os ideais de Jean Monnet, de Robert Schuman, de Winston Churchill, de Konrad Adenauer e de tantos outros.

Faça-se uma revolução de princípios ou continuaremos somente a trocar de roupa a um Portugal (e uma Europa) com graves problemas de saúde, mas bem vestido!

(foto de Wikipedia.org)