24 Março 2019      09:10

Está aqui

X (de xis) anos depois – Uma memória por quem não quer esquecer:

Ou: Instantâneo Moral.

Ou: Ode ao Desencantado.

Ou: Manifesto pela Inocência Perdida.

Ou ainda, em código: FKYU * S. (de Schäuble)

Dizia o outro, sempre um e sempre outro, claro, que não há pior que um moralista. E isso porque a um moralista só é possível responder com moralidade. O pior dos males para aquele que se pretende (e com que hercúleo esforço nesse manto de algodão se firma!) no campo oposto. E também assim muitos se calam, pois consideram a não possibilidade de ganhar como natural derrota. Não é bem assim, pode-se sempre adicionar ao moralismo um encolher de ombros. Ou o dedo médio em riste. É a vidinha, dizemos de uns para outros.

‘Temos pena pelo pobre povo’, reentra em cena o nobre Salvador S. (de Schäuble), e volta a preconizar o paraíso na continuação do tratamento que tem vindo a aniquilar esse mesmo povo.

Como antes disse, em não menos nobre contexto, sobre os iníquos do sul como um todo, que tinham inveja da produção e sucesso dos outros.

Claro – responde o Louco 1 (e contemplo o reflexo no espelho), que não está para moralismos nem para outras lógicas funcionais armadilhadas; ombros caídos, ombros hirtos, ombros caídos! – Como tu invejas a simples possibilidade de fazer uma tabelinha com o Louco 2 ou outro qualquer nas futeboladas de quinta. E ainda na última dessas maravilhosas quintas, passe longo para a cabeça do Louco 1, e desta para o pezinho de seda do Louco 2, que logo a devolveu adocicada de frente para a baliza, golo certo e impossível de falhar, no canto inferior direito com a parte de dentro do pé do Louco 1, mais sedoso que o costume, o 14-9 para os que estavam a perder – sem, no entanto, perder o sorriso . Inesquecível. E para ti, nobre Salvador S., digamos que impossível… É a vidinha, dizemos de uns para outros.

Eu ainda, Louco 1, que não sou nem um nem outro, nem S. (de Schäuble) nem Σ. (de Éllada), faço parte do está a meio, que não é carne nem peixe, que, portanto, para o caso não é, pois ser dá muito mais trabalho do que não ser, e como tal não somos, não sou…

(e agora acrescento demagogia à impiedade pela voz que é de muitos  (acrescentem números de Louco –  como eu despudoradamente faço)): O que eles, do tal povo, fizeram por nós nunca poderemos pagar de volta, se bem que muito, muito tempo tenha passado. Já o que os teus, Salvador S. (de Schäuble), fizeram de nós, felizmente decidimos nunca vos devolver, e não foi assim há tanto tempo. E isto também no que se refere a Finanças, assim justificando o quanto entendíamos os tempos modernos e / ou havíamos aprendido com os erros do passado. Tu não, parecendo que sim – isto por seres tão pós-moderno em sentido não-clássico. Será por acaso?

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Certo dia, em amena conversa, enquanto as pedras da calçada velha iam ficando para trás, um dos nossos inquiriu:

“Mas assim, sem intervenção?”  

Caminhámos em silêncio até que a calçada desapareceu da vista. Uma pena.

Já sentados num banco de jardim:

“Intervir é acreditar, e não acredito.”

“Assim sendo, devias começar a acreditar!”

“Em quê? Não resta nada – A sociedade no que eu entendo como ponto mínimo não existe.”

“Como assim?”

“Não temos sociedade à vista, pois sociedade implica consciência de e da humanidade. Da especificidade de espécie, por natureza ímpar. Se não partir desse ponto, não é sociedade, é o habitat do Macaco Nu, como escreveu Desmond Morris. O simulacro de algo muito maior, sempre e dolorosamente e insustentavelmente aquém! Sempre me convenci que Darwin disse muito, mas não disse tudo. "Sobrevivência do mais forte!" É suprema ironia que tenha fechado o assunto. Alguns vivem na ilusão desse poder… Outros usufruem dele.”

“Mas tu Vives e continuas a viver…”

“Vivo, inevitavelmente Vivo. Misteriosamente Vivo. E viverei enquanto me for possível. Não tenho estrutura morfológica e afectiva para desistir simplesmente da vida. Por isso, apenas, e é tanto, sonho, distanciado e embevecido, com o seu fim ineludível. Conhecedor da risibilidade do sistema, é claro. Do erro sem nome que é a própria existência de vida consciente no cérebro incompleto do duplo sabedor. Sapiens Sapiens – diz-se por aí. A autoconsciência é uma característica totalitária, que esmaga a racionalidade. Ou o tudo consciente ou o nada estritamente físico do animal em modo de sobrevivência. O meio-termo é o falhanço atroz. Somos nós … E também vivo, pois, por responsabilidade de viver, porque amo e sou amado, e criei vida.”

“Como se estivéssemos insuportavelmente vivos?”

“Sós, infinitesimais e ilusoriamente senhores de nós.”

O Sol caía por trás das casas à nossa direita e, a olhar aquela luz que já ninguém vê e, dizem, já nem sequer se filma (pois reconstrói-se em computador), não tínhamos necessidade de olhar um para o outro. Tempo passou …

Até que ele disse:

“No fundo, facilmente podíamos ser melhores…”

Eu deixei que o Louco ganhasse espaço e corpo em mim e sorri na sua direcção, virando-me para o lado. Ele logo percebeu, e abriu a respectiva porta. Também deixou que o Louco se construísse em si.

E o 1 disse para o 2:

“Agora compreendes…”

Desce o pano.