8 Fevereiro 2021      14:28

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Viola Campaniça e Cante ao Baldão – Um novo alento para a música tradicional de raiz popular alentejana

Ora viva para quem viva

 Quem agora aqui chegou

Estava para me ir embora

E agora já me não vou.

Cantiga de amor cantada em baile à chegada de rapariga cobiçada, José Guerreiro (2017)[1]

Lembrar a música tradicional de raiz popular no Alentejo é, antes de mais, evocar o cante alentejano. A sua inscrição pela UNESCO como Património Imaterial da Humanidade em 2014, não só abriu novos horizontes nesta expressão artística, como sensibilizou o estudo e investigação de outras. Quase esquecida, ofuscada em parte pelo cante tradicional alentejano e considerada “por vários etnólogos e recolectores como quase inexistente no Baixo Alentejo durante a segunda metade do século XX”[2] (Rodrigues, 2017, p.11), a Viola Campaniça (a maior das violas portuguesas) é um instrumento musical que até meados do século passado, com a sua elegância e sonoridade, dava brio aos tocadores que acompanhavam os mais variados cantares, festas ou bailes[3].

Dos lugares mais recônditos da serrania (serrenhos) aos lugarejos nas longas planícies (campaniços) do baixo Alentejo, esta forma de expressão musical era presença obrigatória não só em romarias como também em tabernas. No fundo, lugares de grande socialização. Estas últimas consideradas verdadeiras catedrais do cante ao despique (mais tarde cante ao baldão) e cantares ao desafio, todos eles acompanhados pela harmonia da viola campaniça. Solene local de encontro anual terá sido a Feira de Castro Verde, um ponto de encontro de referencia no mundo rural e tradicional alentejano que, entre cantadores, tocadores e visitantes, formavam um espaço de relevância na difusão desta arte. Tal como em outras artes do universo alentejano, já em meados dos anos oitenta, “contavam-se pêlos dedos de uma mão, os tocadores activos, praticantes ainda da arte do toque com alguma regularidade”[4]. Numa tentativa de renascer o seu interesse, José Alberto Sardinha, através do seu trabalho de recolha e investigação: Viola Campaniça: o outro Alentejo, 1986, consegue retirar do esquecimento os seus últimos tocadores[5]. Para este processo de regeneração, a Cortiçol – Cooperativa de Informação e Cultura de Castro Verde, constituiu o primeiro “ Grupo de Violas Campaniças” contribuindo significativamente para a divulgação e reaparecimento de novos tocadores. Um contributo absolutamente decisivo, evitando o seu desaparecimento.

Com a modernização dos festins, o quase desaparecimento de outras práticas tradicionais e sem o fulgor de outrora, o Cante ao Baldão, “é uma das práticas de desafio cultivadas em algumas freguesias rurais dos concelhos de Almodôvar, Castro Verde, Odemira e Ourique. Terá começado a ser praticado a partir de finais do século XIX no concelho de Odemira, estendendo-se entre os anos 40 e 60 do século XX a algumas freguesias dos concelhos vizinhos (Ourique, Castro Verde)” (Barriga, 2003, p.275-280). Ocorrendo particularmente em contextos de lazer, o Cante ao Baldão, enquanto expressão poético-musical oral, trata “do desempenho individual de um texto poético criado no momento e apresentado através de uma estrutura rítmico-melódica cantada”[6] (Barriga,2000, p.30). Neste despique, todos os intervenientes estão em volta de uma mesa e com os tocadores da Viola Campaniça dispostos em local audível para acompanhar o cante. Romarias, feiras, cafés ou tabernas, são os locais de eleição para esta prática[7]. De entre as suas peculiares características, para além de se seguir sempre a mesma rima (seguir o ponto), destacamos a sua estrutura, composta por doze versos e divididos por três quadras (vulgarmente designados por voltas ou pontos). Como regra obrigatória, a cantiga termina sempre com os dois primeiros versos apresentados de forma inversa (completar a cantiga) (Barriga, 2000).

Numa linha orientadora de preservação, salvaguarda e divulgação, enaltecer o excelente trabalho, que o Centro de Valorização da Viola Campaniça e do Cante de Improviso, com sede em S. Martinho das Amoreiras, concelho de Odemira, tem promovido e dinamizado através do seu programa formativo e cultural, assim como de um espaço museológico. Contribuindo de forma decisiva está também o Município de Castro Verde, quer pelos vários certames anualmente organizados, quer pela parceria com a Escola Secundária, Cortiçol e União de Freguesias de Castro Verde e Casével, permitindo a sua aprendizagem e sensibilização. Para breve estará também a abertura do Centro da Viola Campaniça na mesma localidade.


[2] Rodrigues, J. I. L. (2017). “PELO TOQUE DA VIOLA” Um estudo etnomusicológico sobre o revivalismo da viola campaniça em Castro Verde.(Dissertação de Metrado). Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Departamento de Ciências Musicais. Lisboa, 2017.

[4] Idem

[6] Barriga, M. J. S. B. (2000) “O cante ao baldão no (re)encontro de identidades no baixo alentejo: um estudo etnomusicológico”. (Dissertação de Metrado). Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Departamento de Ciências Musicais, Ramo etnomusicologia. Lisboa, 2000.

[7] Idem

 

Imagem de capa de https://tradisom.com/produto/a-viola-campanica-2/