11 Outubro 2019      19:23

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Um desejo simples, a renascença do CDS - Centro Democrático Social

«Sinto-me nascido a  cada momento para a eterna novidade  do mundo», Fernando Pessoa

No passado dia 6 de Outubro  o CDS sofreu uma pesadíssima derrota eleitoral, somando apenas 4.25%, caindo para a 5ª força partidária, reduzindo o número de 18 para 5 deputados, face a 2015 e diminuindo o seu eleitorado de 653.987 para 216.454 votos desde 2011,  ou seja, uma redução de ⅓,  deixando de ser a 3ª força partidária. Tudo isto uns meses depois de ter tido outra derrota nas Europeias de Maio, onde teve a pior votação e percentagem de sempre, conseguindo apenas eleger um eurodeputado, Nuno Melo quando, logo nas suas primeiras Europeias em 1987, com Francisco Lucas Pires, elegeu 4 eurodeputados. E a estes resultados não podemos dissociar o resultado eleitoral das Regionais da Madeira de 2019 que ditaram a perda de 4 deputados regionais e mais de 8000 eleitores, ou seja metade do eleitorado de 2015, o que provocou a queda do CDS para 3ª força política na Madeira.

Ou tempos são de enormes desafios e exigência e pedem uma grande reflexão e ponderação.

É verdade que um Governo de coligação com o PSD seguindo o guião da Troika impôs um travo agridoce nos sonhos e ambições políticas do Centro-Direita, contudo, após as eleições de 2015 e pela composição parlamentar que ditou o 1º governo de António Costa que acelera a retirada de Paulo Portas, emerge de sua perfilhação Assunção Cristas, ex-ministra da Agricultura com aprovação no mandato, académica de profissão e mulher de armas. Iniciou esta jornada como independente (resultante do poder de atração que Portas tinha entre alguns quadros independentes próximos do Centro-Direita) e aos poucos foi-se aproximando da cartilha Democrata-Cristã do CDS, ou pelo menos do seu mentor no momento. Assunção Cristas aparece com um discurso fresco, galvanizador, procurando assegurar, pelo discurso e pela moldura humana que a acompanhava, um timbre de partido de poder e governabilidade, assim como refundar a sua vocação municipalista. Teve sobretudo nas Autárquicas de 2017 um grande resultado em Lisboa, onde foi  sempre a grande oposição a Fernando Medina e subiu número de câmaras ganhas de 5 para 6,  com mais umas pequenas conquistas.

Confesso que no dia 6 de Outubro tinha em mim uma profunda descrença na recuperação de eleitorado que tínhamos perdido aquando das Europeias de Maio. Aí sim, estava deslumbrado, entendia que Cristas mantinha foco na oposição e a sua performance teria eco junto dos eleitores. Estive sempre convencido que elegeríamos o segundo da lista, Pedro Mota Soares.

Só a partir da hecatombe de Maio comecei a dar importância  a alguns sinais de alarme. Primeiro, o afastamento de Adolfo Mesquita Nunes em Março da vice-presidência, faz a crítica assertiva que a Direcção tinha até então perder profundidade e impacto e depois,  Cristas sozinha (Nuno Melo desaparece igualmente do seu núcleo duro após o desastre das Europeias e a terceira vice-presidente,  Cecília Meireles nunca pareceu demasiado comprometida com esse lugar e com a necessidade de aligeirar o desgaste mediático e combativo de Cristas) a dar a cara sozinha pela oposição ao Governo de Costa que tinha como poder de fogo PS, PEV, PCP, BE e ainda PAN, foi-se definhando e esmorecendo na sua tenacidade e acutilância. Isso e, muito francamente uma alteração de postura que surge na segunda parte do seu mandato como mais plástica, mais calculista, um pouco repetitiva, dando por vezes um cariz excessivamente pejorativo, de crítica gratuita, de alguma prepotência que parte do eleitorado parece não ter compreendido e admirado. Esta postura pode ser permitida a partidos novos, fora do sistema tradicional, como por exemplo ao CHEGA, mas a um partido como o CDS que no passado teve várias vezes comprometido com o poder e com a possibilidade de mudança, essa postura não é aceite pelo eleitorado.

Parece-me que aparte de ter-se debruçado com questões de organização interna, ficou muitas vezes refém das múltiplas tendências internas e da sua luta intestina por maior protagonismo na estratégia nacional do partido. Estes antagonistas, sobretudo a ala conservadora e a ala liberal, a última com maior ascendência no consulado de Cristas, degladiavam-se permanentemente em conselhos nacionais, tentando condicionar a vontade da líder. Depois havia a sombra de Portas e eventualmente uma maior intolerância face a algumas contrariedades que iam surgindo ( as defesas tradicionais do CDS eram alheias à convicção pessoal da líder que dizia publicamente que não gostava de touradas e era favorável a casamentos homossexuais, por exemplo), e ainda a questão muito frágil do equilíbrio de sensibilidades, tanto das tendências internas (uma imprudência de Portas que permitiu institucionalizar a diferença e a cisão internas), como das quotas de representatividade, seja da Juventude Popular, seja da FTDC – Federação dos Trabalhadores Democrata-Cristãos. Não parece fazer sentido um partido que se diz anti-quotas de representação no Parlamento, ter na sua casa uma miscelância de sensibilidades que tem de agradar com representação automática nos mais variados órgãos internos. A única quota deveria ser a Meritocracia e esse qualificativo existe em todos o lado, junto da juventude, de tendências, sindicatos, raças, credos, etc.

Depois de tudo isto, parece ter faltado uma clara estratégica da Direcção Nacional e da sua líder no caminho a trilhar, determinado por uma clara e inequívoca leitura do diagnóstico dos problemas do país e da evolução político-partidária no momento.

Recordo de ter sugerido num Conselho Nacional que se desse maior ênfase a temáticas como a Cultura e  Ambiente e Sustentabilidade, não apenas por serem temas que são transversais ideologicamente e que estão quase exclusivamente no feudo da Esquerda, como pela bondade da educação e formação moral, como da consciência ecológica que daí advém, servindo também de referência moderada perante radicalismos animalistas que surgem oportunísticamente. Mas também recordo numa reunião com a nossa líder em Évora que deveríamos ter cuidado com os partidos à Direita do CDS, concretamente dos movimentos populistas que poderiam estar a eclodir.  Nessa altura era importante que temas como Educação, Justiça e Segurança fizessem parte do argumentário do partido como forma de esvaziar veleidades e partidos  extremistas. Só a Direita moderada e convencional é que poderá abafar a ascensão deste movimentos pois, pelo contrário, a agenda dos partidos à Esquerda do PS tenderá a acicatar ainda mais estes inconformados cidadãos e a recrutar outros tantos.

Além deste enquadramento geo-partidário que me parecia sensato o CDS ter seguido, sugeri ainda que na campanha tivéssemos um público-alvo específico a quem nos dirigirmos, por exemplo os pensionistas. Era importante que no arco conceptivo da Democracia-Cristã voltássemos a falar de pessoas e não de números e economia como até aqui somente tínhamos feito. Ou seja, recuperar  a orientação das setas do símbolo do partido sobre o círculo e que as pessoas fossem essa centralidade. Enganei-me!! A agenda do programa eminentemente liberal, organizada pelo seu mentor Adolfo Mesquita Nunes, trouxe sobretudo números, algumas questões importantes de justiça fiscal, mas manifestamente afastadas das expectativas das pessoas. A colagem a um partido autista, preocupado somente com a economia, com a banca, défices e demais estatística, pegou de estaca e as pessoas não perdoam esse tom no discurso. A economia é importante mas existe para satisfação das pessoas e da paz social e não o contrário. Não foi assim que aconteceu…

 

E o futuro?

O futuro do CDS poderá ser muito simples se o caminho trilhado for exclusivamente o da Democracia-Cristã. Se retornarmos à base fundacional, do conservadorismo e da democracia-cristã defendendo a livre-iniciativa e um Estado mais regulador e fiscalizador, poderemos almejar um sucesso no caminho de uma terceira via moderada, entre dois sistemas cada vez mais antagónicos, por um lado um socialismo autocrático e um liberalismo selvagem e desumano.

Tem sido precisamente o actual capitalismo desenfreado, proveniente do Liberalismo que subverteu princípios fundamentais da Democracia-Cristã, tais como a família, solidariedade, cooperativismo internacional, humanismo, personalismo, estimulando um amor cada vez mais material.  Tendencialmente este Liberalismo, a pretexto de maior simplificação e desburocratização no incentivo à actividade económica, tem provocado uma ganância financeira e material sem precedentes, uma depredação dos recursos naturais, o esvaziamento dos valores morais e sociais de convivência e uma falência da Família e a aceleração dos problemas ambientais.

Convenhamos que até por este último aspecto, de âmbito ambiental, o Liberalismo estará num processo de decadência incontornável e urge por isso criar uma alternativa não socialista a este modus vivendis. Nunca como agora, num momento de emergência climática e de falência dos valores sociais  e morais ocidentais foi tão justificada a existência  da Democracia-Cristã.

Acredito firmemente que o futuro da Humanidade passa por aqui, por mais Direita e por mais Democracia-Cristã no governo dos Estados. Por isso, no espaço que o CDS me concede para me exprimir, tudo farei para defender junto da próxima liderança do CDS uma maior relevância desta concepção ideológica na sua praxis política.

Até lá, um Muito Obrigado a Assunção Cristas por todo o seu hercúleo trabalho na liderança do CDS, num momento extraordinariamente difícil de gerir e, um Muito obrigado a Diogo Freitas do Amaral, um genuíno Democrata-Cristão!