16 Julho 2016      13:09

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UM CAMPEONATO DIFERENTE

"PARALELO 39N"

Acabei de beber um café. Os nervos não me deixam agarrar na chávena com firmeza e tremo… o estômago parece saltar e dar voltas. Mais rapidamente do que a montanha russa, ando também eu às voltas. A chávena palpita-me na mão e tudo parece surreal. Tudo, no fundo, é surreal. Ando há um mês a ver jogos, umas vezes vestido a rigor, outras vezes nem tanto, assisto a ver só pelo prazer de ver e pela curiosidade de me sentir parte de um continente que neste momento vibra, que se une, que se afasta, que diz bem e que diz muito mal, que pragueja, que ri, que chora. As emoções, multiplicadas dentro de cada uma das pessoas que diz presente, são um turbilhão de energia que a Europa precisa, da alegria não sancionada.

Ah e tal, foi morno, os jogos não tiveram interesse. Gosto de ver um retângulo verde onde não há apenas paixão, mas onde a técnica e a estratégia prevalecem. Gosto de ver futebol. Os campeonatos, diga-se bem ou diga-se mal, joguem bem ou joguem mal as equipas, puxam pelas nossas emoções. Fazem-nos viver. Fazem com que as nossas cores, as de uma bandeira verde, vermelha e dourada sejam as cores de um povo espalhado pelo mundo, de um povo do mundo.

Portugal jogou para o empate. Pois foi, ou talvez não. Jogou, acima de tudo, para não perder nunca e para atingir um só objetivo. E esse objetivo foi vencer e tornar uma nação numa nação campeã. Muitos mais do que onze milhões, outros tantos como eu, com um pé ou os dois fora do território físico nacional, somos todos Portugal vencedor. Portugal não perdeu. Fomos todos até ao fim. Os onze jogadores no campo, o treinador, os outros todos que estavam prontos a entrar, estavam preparados e venceram. Portugal empatou, empatou e, no fim, ganhou e fez deste campeonato, um campeonato diferente.

Já deixei o café de lado. Continuo agarrado ao cachecol. Olho fixamente uma televisão, um retângulo verde, gigante dentro de linhas brancas. Vejo estratégia, vejo uma bola que corre à frente de jogadores, amedrontada e deixada às pretensões de vinte e dois homens que a querem tocar. A bola foge e corre. E os homens fogem e correm. São noventa minutos em que a ansiedade e o sofrimento meu, de todos, é tanto. A quantidade de energia que se acumula, no morder de lábios, nos olhos já esbugalhados, onde se notam os caminhos vermelhos do sangue a pulsar ilumina um país. Sofremos. Acreditamos. Não acreditamos. Esperamos. Voltamos a ver a repetição do lance. Portugal, a ganhar, seria um golo na nossa sempre baixa autoestima. Seremos, porventura, capazes de fazer este um outro campeonato, um com final diferente dos outros?

Agora já todos temos a resposta, Éder, um golo, uma equipa, muitas lágrimas. Custou chegar até lá. Levou anos e anos. Tentativa e erro. Se custou. Muito mais a quem, em cada gota de suor, corria dentro do campo atrás de uma bola que fugia e não chegava às redes. O pé e a chuteira bem tentavam mostrar o caminho. Ao meu lado, rostos que, como o meu deixavam transparecer todas as emoções.

Tanto! Esperávamos todos tanto, os do campo, ao lado das linhas, os das bancadas do estádio, das bancadas dos jardins, das casas, dos parques, dos restaurantes, das rádios, das televisões. O sonho mais próximo, a cada minuto, menos um minuto e a cada suspiro, mas uma razão para acreditar, mais um engolir em seco. Éder, um golo, uma equipa, muitos gritos.

Um país que grita, um barulho tão ensurdecedor que foi desde a Oceânia, à América do Norte, do Sul, passando por Timor, pela Ásia toda, por África, na Europa, em toda a Europa. Grito aqui, onde estou, na Casa do Ribatejo em Newark e não se ouve o meu no meio de todos os outros. Foram gritos de alegria, de energia, essa de todos como a minha própria. Ganhei consciência de que todos juntos somos tão mais fortes se acreditarmos e olharmos para um problema com calma, com estratégia. Deixemos que os nervos se transformem num dínamo de energia renovável. Esse que a Seleção nos ensinou a operacionalizar.

O dia 10 de julho foi o último dia de um campeonato diferente, como diferentes foram as lágrimas que chorámos. Estas foram de alegria. Foram as de um início de qualquer coisa e não do fim de um campeonato. E que dizer? Talvez, obrigado Seleção e obrigado Portugal pela lição, pelos nervos, pela incerteza, pela paixão, pelas emoções, pelos rostos iluminados, pelas camisolas iguais, pelas bandeiras todas e, acima de tudo, por fazeres deste campeonato um campeonato tão diferente daqueles que sempre conheci.

Foi mau, foi muito mau, dizem e dirão os comentadores. Pode até ter sido, mas não para nós, certamente.

Créditos da imagem © Seleções de Portugal.