11 Fevereiro 2017      12:38

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SANDES DE COURATOS OU A FEIRA

"PARALELO 39N"

Bem me apetecia agora uma sandes de couratos. Dizia o homem para a mulher na carrinha Nissan de caixa aberta. Iam os quatro lá dentro. O homem, a mulher, o filho de 10 anos e a filha de oito. A mim o que me apetecia era uma fartura, com o açúcar e a canela em volta, ainda quentinha. Ai, aquele cheirinho que sai do carro das farturas. A mim, era mesmo um frango assado, mãe. Lá na roulotte do senhor António. Um frango, batatas fritas e uma salada, com um Sumol fresquinho. Ai, que saudades. Pai, nunca mais chegamos à feira? Dizia a mais nova da carrinha.

Iam todos entusiasmados em direção à feira de janeiro que se realizava todos os anos, no mesmo dia. Cada um tinha objetivos muito precisos. Como este ano a feira calhava num fim-de-semana, os moços também podiam ir com eles e aproveitar o dia para andar no carrossel, comer um frango assado e um beber uns sumos, quem sabe comer algodão doce ou mesmo ganhar uns sapatos ou uma muda de roupa nova. Era um mundo infinito de possibilidades.

O pai ia focado em comprar uma enxadas novas e umas pás que pudessem servir para substituir as antigas que tinham já a madeira gasta de tanto cavar na horta e recolher o estrume para fertilizar as couves, as batatas e todas as sementeiras. Uma carrada de estrume ficava cara, mas o pai, felizmente, não precisava disso. Os animais que criava davam fertilizante suficiente para não ter de ir gastar dinheiro a comprar mais. Precisava sim, comprar uns fardos de palha para alimentar a bicheza e fazer-lhes a cama que não viviam do ar nem dos pastos em volta da herdade. Tinha de comprar uns pés de couve e mais umas árvores de fruto. Quem sabe uma laranjeira ou uma tangerineira. Quem sabe um limoeiro. Ia com as opções abertas, embora o seu grande objetivo fosse deambular pela feira do gado procurando fazer negócio.

A mãe, achando que os utensílios da cozinha estavam eles também já gastos e a precisar de reabilitação, tinha na ideia comprar mais uns tachos de esmalte, uns alguidares de barro e umas colheres e uns garfos, quem sabe copos. Sim, copos porque se partiam tão facilmente. Além disso, umas peças de roupa também faziam falta. Sempre dava jeito ter uma peça de roupa nova para estrear na missa ou havendo algum baile, não se havia de levar a mesma muda que se tinha usado no último. Nada disso que, apesar de não parecer, as vizinhas reparavam nestas coisas. Nem só isso a preocupava, queria também ver de umas peças para os gaiatos. Não haviam de entrar na escola e fazer todo o segundo período com a mesma roupa do ano passado e, canalha da idade deles gastava tanto a roupa. No fim-de-semana podiam andar com as calças remendadas no joelho mas ir assim para a escola não lhe parecia bem. Os outros haveriam de fazer troça deles. Tinha tido sempre muito cuidado com a forma como apresentava os seus meninos.

O gaiato, fruto da idade e da maluquice, andava de volta dos brinquedos, das cassetes dos artistas que estariam lá na feira a tocar e a anunciar o sítio exato onde se encontravam. Também se interessava por tratores pequenos e por partes de máquinas de arresto. Sonhava, um dia, ser manobrador. Lá ia, na carrinha, todo interessado naquilo que havia de ver. Comprar não que os escudos não davam para isso, mas pelo menos não voltaria de bolsos vazios. Mas mesmo, mesmo era o Sumol e o frango assado.

A irmã, menina ainda, pensava nos brinquedos que pediria à mãe que comprasse. Birra e choro se fosse necessário, era uma possibilidade a não descartar. Além disso não havia muito mais que a interessasse, talvez uma daquelas t-shirts com a cara de uma artista famosa estampada, ou do Skippy ou do Dartacão.

E nisto chegaram ao parque da feira, onde estacionaram a carrinha, tendo em mente os desejos e objetivos de cada um, sem os partilhar com os outros. Lá se dirigiram ao campo da feira, pé ante pé, nos campos enlameados pela chuva do dia anterior. Ao longe o barulho do homem do reclame, com um megafone atrelado na carrinha que se abria como se fosse um palco onde atuava, apregoando cinco pares de peúgas e cuecas a mil escudos, numa promoção que quase parecia irreal. Do outro lado, o som do artista da moda nas cassetes e, à medida que entravam, o fumo que trazia consigo o cheiro dos frangos e dos couratos que deixou o pai a salivar e, despedindo-se da família, dirigiu-se à carrinha onde bebeu uma média e comeu a sandes.

A mãe e os filhos lá foram às compras. Aí por volta das duas horas encontraram-se na roulotte dos frangos e devoraram vorazmente dois frangos, quase um quilo de batatas e uma bela salada de tomate. Foram, depois, uns para a zona da diversão e outros para a zona do gado. O pai fez negócio e o miúdo ficou impressionado. A mãe veio carregada de tachos e talheres e a menina toda contente com o estampado do grupo na camisa que ganhou.

Ao sol postinho, caminho de regresso a casa, na carrinha de caixa aberta, deixando atrás o reboliço e um ar de satisfação no rosto de todos e de cada um, as barrigas cheias de frango assado, a caixa aberta repleta de compras, tachos, panelas, laranjeiras, couves e as enxadas. No rosto de todos, um sorriso enorme e a vontade que o próximo ano chegue depressa.  

 

Imagem de casalmisterio.com