18 Agosto 2020      09:09

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A pandemia Covid19, uma Sociedade em falência e uma Educação à deriva

"A escola é o balão de ensaio das sociedades" - Susana Damasceno

Se a minha visão da actual Escola enquanto espaço pedagógico, educativo, relacional e de aquisição de conhecimentos se encontrava num modo demasiado redutor, a pandemia Covid19 fez, no meu entender pôr a nu ainda mais essas fragilidades, perdendo-se uma verdadeira oportunidade de empreender reformas de fundo no sistema educativo nacional.

A Escola deveria ser um espaço de acolhimento, de inclusão, de relacionamentos inter-pessoais, mas sobretudo um espaço de aprendizagem e conhecimento.

Numa leitura previamente estatística e pragmática, conseguimos observar que os números são incontestavelmente abonatórios para este e outros Governos antecessores. A taxa total de retenção ou desistência no ensino básico em 2019 foi de 2,1%, contrastando com um valor de 10,8% de 1985 (dados Pordata). Por outro lado, a taxa total de retenção ou desistência no ensino secundário em 2019 foi de 13,1%, em comparação com 1995 onde foi de 21,3% (valores sempre a descer desde 2011. Dados Pordata).  Curiosamente este resultados colidem com o investimento recente na Educação pelos governos, onde o valor de 2019 de investimento  na Educação em % do PIB é de 3,5% (projecção. Dados Pordata), só conseguindo encontrar-se um valor mais baixo de investimento na Educação em % do PIB em 1987, onde este foi de 3,4%.

É verdade que o aumento de capacidade económica de uma família com filhos em idade escolar tem repercussões directas no sucesso escolar dos mesmos, quer pela manutenção dos mesmos no ambiente escolar, quer no apoio  económico que lhe podem prestar, seja para manuais de apoio, escolas particulares onde têm apoio mais personalizado, ferramentas de estudos, explicações, etc… Com este desafogo dissipam-se alguns outros condicionamentos mentais dos próprios alunos, estando mais disponíveis para a aprendizagem.

Mas mais importante que taxas de sucesso que, muitas vezes queremos atingir à viva força, desvirtuando a realidade dos factos, transitando alunos sem efectivos conhecimentos, mas que servem propósitos eleitoralistas e propagandísticos, tanto para consumo doméstico, como para fazermos o papel do bom aluno junto da UE, é necessário adequar o sistema de ensino e sua avaliação à realidade vigente, às possibilidades existentes e necessidades a suprimir. Obviamente que a tele-escola sempre existiu e fazia parte de uma solução alternativa para realidades muito específicas, associadas às dificuldades de acessibilidade de populações ao espaço Escola. Obviamente que esta possibilidade deverá ser ponderada inclusive com uma enorme panóplia de ferramentas digitais ao nosso alcance, na actualidade.  Mas antes de tudo isto, antes de aprovar um novo modelo alternativo ou, desejavelmente complementar ao ensino convencional, será necessário instituir novamente na Escola um espaço de respeito, de são convívio e de efectiva aprendizagem, não num mero espaço onde pais depositam os filhos para poderem trabalhar, esperando pelo final do ano lectivo para receberem destes um diploma de aprovação, cada vez mais facilitado.

O problema não é apenas da nossa Educação, mas realmente da actual sociedade inebriada pelo afâ da ambição, do materialismo e, nessa procura, deixa de ter tempo para o essencial na vida familiar, incluindo tempo para educar e ensinar seus filhos. As famílias também já não são as tradicionais, muitas há disfuncionais, muitos problemas conjugais e de partilhas parentais que, substituem preocupações e anseios dos mais novos que outrora se reflectiam no abandono escolar para iniciarem jornadas de trabalho ou na subnutrição com dificuldades físicas e psíquicas associadas. Hoje em dia as preocupações são outras, trazendo níveis de stresse associados, como menciona e bem o pediatra Mário Cordeiro no sua livro «Pais apressados, filhos stressados».

É urgente uma revolução laboral que permita que pais tenham mais tempo para estar com a família, diminuindo a pressão profissional e abrandando ritmos. Claro que há um conceito material de desejo que se não for igualmente refreado, não ajudará  ao êxito dos primeiros pressupostos.

Mas também há, pese embora o investimento da última legislatura do PS de António Costa ser no conjunto dos mais baixos das últimas legislaturas, uma maior preocupação pelos sucessivos governos em aumentar o investimento financeiro alocado na rubrica da Educação, mas essa aposta não se repercute também na ousadia de encetar reformas necessárias ao bem comum da sociedade e, neste caso, à  melhor preparação dos alunos para o futuro profissional e social.

Também nesta área os sucessivos governos são susceptíveis ao curso da sociedade, da comunicação social,  às exigências comunitárias de taxas de sucesso, a reivindicações sindicais e ao laxismo das associações de pais que, vendo aumentarem taxas de aprovação de alunos, engolem este engodo e nada exigem para uma efectiva mudança no sistema.

Deveria existir um Pacto de Regime entre os principais partidos nacionais, com vista a superar as debilidades latentes nesta área e a projectar uma verdadeira Educação, aliçercada no rigor do ensino, na aprendizagem de conhecimentos e no reconhecimento da autoridade do Professor.

O que temos assistido nas últimas décadas é ao mero despejar de milhões de euros (exceptuando a última legislatura de António Costa onde o investimento da execução orçamental per capita na Educação foi dos mais baixos pós 25 de Abril) na Educação sem fazer acompanhar esse investimento da adequação da Escola às sociedades e famílias actuais, aos conhecimentos mais prementes, às novas tecnologias, mas sobretudo a um rigor no controlo dos conhecimentos adquiridos e à autoridade do professor. Vimos professores desautorizados, injuriados, esgotados e cada vez mais desmotivados com a sua profissão. Estes, notam crescentemente maior indisciplina e desinteresse dos seus alunos que depois, a jusante os obriga a reforçar as suas responsabilidades para que, segundo o Ministério da Educação, acompanhem os problemas específicos de cada aluno. Existem cada vez mais casos de violência dentro das escolas, não apenas entre alunos, mas por vezes de alunos contra funcionários e professores. Não é fortuito que, depois destas graduais desconsiderações da carreira do professor e de medidas sancionatórias para alunos completamente inócuas que os fazem reiterar nas suas indevidas acções, os professores se sinttam desprotegidos e demasiado cansados. Factos estes que podem ser atestados com um brutal aumento de baixas médicas e pedidos de reformas antecipadas entre a classe docente.

Mudou-se o paradigma do poder político perante a sua acção, procurando ir ao encontro das agendas mediáticas e não ser este poder o que instituía a própria agenda da actualidade. Há quem associe esta tibieza à falta de verdadeiros estadistas no século XXI. O que parece verdade é que esta máxima foi também entregue nas escolas do nosso país, onde o o poder, o Estado pela cartilha do Ministério da Educação assumiu que o professor deve ser submisso às vontades, às fragilidades, aos caprichos dos alunos, subvertendo um ancestral principio que o mais velho e o mais diplomado é que legava ensinamentos, quase que fazendo cumprir um preceito ideológico que muitos movimentos e partidos fazem doutrina de equiparar os lugares dentro da escola, numa lógica de igualitização da comunidade escolar. O resultado a posteriori não é depois apenas mensurável pela falta de cultura geral, de capacidade crítica e de conhecimento técnico dos nossos jovens, tantas e tantas vezes reconhecidos nas nossas redes sociais ( já diz o conceituado pediatra Mário Cordeiro que «as crianças estão a ser habituadas a não pensar» in Sol de 17-02-2019), mas traduz-se depois na nossa caminhada adulta de termos capacidade técnica, conhecimento científico,dinamismo, resiliência, capacidade de ouvir os outros, prover solidariedade, empatizar e capacidade de amar( sim, o Amor também se ensina).

Não nos iludamos!! A sociedade actual, aquela que verborreia ódio em redes sociais, aquela que entende que destruir estátuas é um caminho para a reparação histórica e do progresso ou que resolve não acatar as restrições de circulação em período de confinamento por achar que o Estado deve resolver qualquer problema a jusante que possa decorrer dessa sua negligência, aquela tem cada vez menos tolerância e respeito pelo seu semelhante, é fruto de uma Educação decadente. Mesmo na geração mais nova, vimos chocados com um número assustador de casos de violência no namoro, de menores de idade a cometerem crimes de sangue do forma crescente. Estes são jovens que provavelmente nunca tiveram Educação em casa, mas também não tiveram capacidade nas escolas de fazer face a frustrações. Porquê? Porque as escolas passaram a entender que estas crianças e jovens não podem ser frustrados, que têm sempre razão, que o cerne do problema está nos professores que não têm capacidade pedagógica para se adaptarem a cada um dos seus alunos (como se isto fosse humanamente possível!). Daí a criarmos jovens prepotentes, ignorantes e egocêntricos é um passo rápido. Não estranhemos então que um jovem agrida uma namorada por esta achar que deve terminar a relação. Este jovem teve alguma vez a instrução na família ou na escola para reagir à frustração? Estamos cada vez menos tolerantes e cada vez mais solitários por não sabermos interagir uns com os outros e isto, apesar de tudo e de forma subliminar, também de ensina com rigor e disciplina, não somente com subserviência e facilitismo.

E agora trazendo à discussão a questão do Covid19 e do presente ano lectivo, fizemos mais do mesmo sobre o que atrás foi descrito. Facilitámos, fingimos que olhavámos para o problema com olhos de ver e, todos, basicamente todos transitaram com maior ou menor facilidade, criando a ilusão que os nossos alunos adquiriram os conhecimentos os quais estavam previstos nos seus respectivos anos lectivos. Pergunta o sociólogo António Barreto em entrevista ao jornal Observador em 30 de Julho, «o que será desta geração?». Sobre o ano lectivo que findou tenho uma opinião quiçá radical, mas entendo ser a mais justa e aquela que melhor prepara os nossos jovens para o futuro. Acho que todos os anos lectivos deveriam ter sido anulados e repetidos no ano seguinte. Estes alunos não têm culpa da tragédia que se abateu sobre todo o mundo, mas também os adultos não e todos eles fizeram tremendos sacrifícios para superar este flagelo. E, objectivamente os alunos não adquiriram os conhecimentos propostos no início do ano lectivo para poderem transitar de ano. Não têm culpa mas cabe à Escola ensiná-los e prepará-los e, aparte da questão da desigualdade social que se acentuou entre alunos neste ano lectivo, todos eles não concluiram os conhecimentos para os quais estavam propostos. Tanto é assim que o próprio Ministério da Educação reconhece isso, dedicando as primerias semanas do próximo ano lectivo para fazer “recuperação” dessas matérias. Qual era a tragédia se se repetisse este ano? Não vejo francamente nenhuma, mas até uma maior capacidade do mercado de trabalho absorver licenciados desempregados, um reforço dos conhecimentos dos aluno se, sobretudo da sua capacidade de resiliência face à adversidade, bem como de um principio de solidariedade inter-geracional.   Ao contrário, facilitando as transições semi-automáticas, onde nenhum professor consegue ter garantias das efectivas capacidades dos seus alunos, onde pais muitas vezes os substituiam nos seus deveres, num ensino que a historiadora Raquel Varela apelidou de «doses homeopáicas de informação fragmentada», criamos sempre a imagem de que não há nada a temer, que todos vão passar com ou sem mérito. Criámos uma falácia de que as crianças e os jovens, fruto da sua condição etária, têm exclusivamente Direitos, e, além de ser uma premissa errada, criará, como disse atrás uma geração de incompetentes, ignorantes e prepotentes.

Para concluir e reconhecendo a dificuldade de criar alternativas concretas e eficazes no ensino permeio uma pandemia, não podia estar mais de acordo com Raquel Varela que diz ser o ensino à distância «uma catástrofe anunciada», onde este processo de automatação da escola, do aluno e do professor irá produzir um aumento do burnout, da alienação e da tristeza de todos. Diz ainda esta historiadora  que seguimos uma tendência para a massificação autista sobre toda a classe estudantil, portadora ou não deste síndrome. Desta forma reforça-se ainda mais a ausência do ensino crítico, do estímulo relacional e da capacidade interpretativa e processamento de  conteúdos sem verdadeiramente assimilar esses saberes.

Coragem pede-se para empreeender uma nova Educação no país. A bem do futuro de Portugal!