18 Novembro 2020      09:16

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Olaria Pedrada de Nisa, uma arte peculiar de moldar o barro

Trabalhar o barro é uma arte milenar com enorme expressão no Alentejo. Com esta manifesta-se não só de morfologias e funcionalidades múltiplas como também de decorações. Pela sua originalidade e necessidade de salvaguarda urgente, dedicamos este artigo à Olaria Pedrada de Nisa, deixando para nova oportunidade uma referência mais abrangente sobre tradição oleira alentejana.

Sobre as origens da sua produção, não são conhecidas referências anteriores aos finais do século XIX, sendo que por volta do ano de 1925, Emanuel Ribeiro classifica Nisa como um centro de fabrico de loiça com ornamentos incrustados. Já em 1986, Solange Parvaux regista 10 oleiros.

Tendo como função primordial a conservação de água fresca para uso doméstico, estas peças serviam também para permitir o transporte deste líquido para saciar a sede aos viajantes, assim como aos trabalhadores rurais.

Para a sua conceção, são utilizadas argilas de exploração local encontradas em depósitos sedimentares com cerca de 2,5 milhões de anos. Por outro lado, o quartzo utilizado é originário dos filões de rochas quartzíticas da Serra de S. Miguel. Todo este processo divide-se em várias fases, sendo que para a sua composição, a Olaria de Nisa, utiliza três tipos de barros: o preto, o branco e o vermelho (o único que provém de fora do concelho e que dá cor à peça). Para a sua preparação, os barros são colocados a derregar num “barreiro” (tanque) e misturados com água, criando uma pasta semilíquida. Com um crivo e já em outro barreiro, são retiradas todas as impurezas. De seguida e depois de amassado em “pélas” (pequenas quantidades), é “aventado” (atirado) contra a parede para que, quando caiam, percam a quantidade de água que tinham em excesso. Após este processo e depois de já ter passado pela “atoquina” (mesa onde a pasta é amassada), o barro é colocado na roda (accionada com o pé), onde o oleiro após molhar as mãos no “barranhão” (recipiente com água) inicia a sua moldagem. Por fim e ainda na roda, depois de moldada a peça é aperfeiçoada por uma cana ou uma “aplanata” (pedaço de feltro). Pelas delicadas e experientes mãos femininas começa a sua originalidade enquanto decoração. Utilizando dedais, casquilhos de lâmpadas e agulhas de coser para fazer o risco que irá conferir à peça o seu desenho final. Depois deste meticuloso processo e ao longo do risco, são incrustadas as pedrinhas brancas de quartzo leitoso. Folhas, frutos, ou outro tipo de motivos da fauna e flora regional, são os padrões decorativos que figuram na Olaria de Nisa. No que toca à cozedura e na linguagem regional de Nisa[1]  “os dois atos da cozedura são designados por desquente e lavar a loiça. Para o desquento, o oleiro utiliza lenha grossa, que por fazer uma chama baixa, liberta muito fumo que se aglomera dentro da câmara do forno, tornando as peças negras. Quando o fumo desaparecer e a cor do lume for vermelho ou alaranjada, significa que o forno está a uma temperatura próxima dos 800ºC, começando então a fase seguinte – o lavar a loiça.”

Tal como em tantas manifestações tradicionais e culturais que proliferam pela região, torna-se urgente o reforço do seu estudo, a sua inventariação e salvaguarda. Estas magníficas peças de produção artesanal necessitam ainda mais de fazer parte do quotidiano da sua comunidade, quer seja pela sua mostra, quer pela divulgação sucessiva desta arte, com particular incidência pedagógica e sensibilizadora na comunidade escolar. Recentemente e com ampla dedicação e divulgação, o Município de Nisa, encetou não só uma magnífica campanha promocional da Olaria Pedrada de Nisa com vista à candidatura para as 7 Maravilhas da Cultura Popular, como promoveu uma exposição desta arte secular na sua Biblioteca Municipal. Ao transeunte, são três os pontos de referência atuais relacionados com esta tradição[2]: António Pequito; Antónia Carita e Maria Louro. Por sua vez, recomenda-se uma visita atenta ao Museu do Bordado e do Barro[3].

 

Imagem de capa de http://cabaredogoucha.pt/