24 Junho 2017      11:55

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O LOGÓTIPO

"PARALELO 39N"

Cada vez que se sentava, a secretária tinha o cuidado de arrumar as folhas em pastas e as pastas em gavetas e as gavetas alinhadas no seu compartimento que era, no fundo, uma pequena coisa, comparada com o edifício todo. Parecia, uma pequena formiga num prédio que era um gigante formigueiro.

As folhas, em formato letter e legal, arrumadinhas na secretária da secretária, tinham documentos importantes, informações confidenciais, ultrassecretas, demasiado importantes para serem vistas por pessoas que não pertences ao compartimento da secretária. Um aspeto importante era, porém, o de que nenhuma dessas folhas poderia estar naquela secretária sem ter logótipo. Podia até nem ser aquele logótipo, mas tinha de ter um qualquer. Não era mania, era uma regra crucial no trabalho precioso daquela senhora.

Saí do trabalho pontualmente às 17:30, depois de deixar tudo fechado. Pontualmente deixava as folhas e folhas timbradas arrumadas em diferentes secções, não esquecendo nunca as lições que aprendera – a imagem de um gabinete é o seu brio e recitava mentalmente esta máxima, todos os dias à hora de entrada.

A secretária levava sempre consigo um envelope selado e punha-o, todos os dias na caixa de correio que ficava a meio caminho entre o escritório e a sua casa. Como uma formiga que se mexia em tom apressado, lá ia, um pé a seguir ao outro, como duas canetas que iam escrevendo as folhas onde o logótipo ditava a ordem das palavras. Na carta, o secretismo, lá dentro, aquilo que não se sabia.

Chegando-se perto da caixa de correio, azul, com letras gravadas a assinalar as horas de recolha, a pobre senhora, usando óculos escuros, meio à espiã que veio do frio (era Inverno e estava fresquinho por aqueles dias), tinha um casaco pesado, quase meio impermeável, até aos pés. Põe a mulher a carta lá para dentro e espera que tudo corra bem, naquele dia como em todos os outros. Olha para todos os lados e segue em frente, até à passadeira, onde um homem branco lhe assinala a oportunidade de atravessar a rua, antes de começar a contagem decrescente em números vermelhos. De facto, nem em todo o lado é um homem verde que me diz quando posso ou não passar para o outro lado.

Contente por ter conseguido superar mais um objetivo, a senhora, a senhora secretária chegava a casa, pousava a mala, tirava os óculos, tirava o casaco, descalçava os sapatos e punha-se à vontade. Calçadas as pantufas, ia então à caixa de correio na cave, confirmar o correio desse dia e lá dentro, além da publicidade que chegava diariamente e aos montes, duas cartas com contas para pagar e uma carta com o logótipo do trabalho, não falhava. No interior da carta, a folha com o timbre que a mulher preenchera, ultrassecreta, contava os segredos daquele dia, em forma de código. Ninguém perceberia ao ler aquelas linhas quais os segredos que se contavam. Eram números e palavras misturadas com bonequinhos e emoticons. Ninguém percebia. Só a secretária conseguia. E nisto andava todos os dias. Arrumava as cartas, no cofre, em arquivo numerado. Em vez de sapatos, tinha pastas e pastas com segredos que ninguém percebia ou algum dia perceberia. Cada carta, cada folha timbrada com o logótipo contava uma coisa que a secretária não queria esquecer. Somando, eram milhares, tantos quantos os dias que trabalhara naquele compartimento. O importante na vida da senhora era sair todos os dias às 17:30, pôr a carta antes das 18:00 para ser recolhida e entregue no dia seguinte. Assim foi. Assim é. Assim será. Logótipo atrás de logótipo.   

 

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