28 Maio 2016      00:31

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O CÉU AZUL

"PARALELO 39N"

Do céu azul viam-se as planícies secas do Alentejo. Na imensidão do restolho, já despojado do trigo que nele nascera, estava a terra seca, castanha e dividida entre torrões. Não se viam, na distância do doirado e de uma ou outra interrupção verde e castanha dos sobreiros e azinhos que subsistiam, diferenças. O Sol, esse, difundia calor em toda a planície como se fosse um aquecedor a gás e quisesse deixar as ondas de calor invisíveis a queimarem a pele dos que, a esta hora do dia, se aventuravam no meio do campo.

Em cima nada se alterava. Nada comprometia a ordem natural dos dias. Apenas o Sol se movia lento e repetitivo, do leste para o oeste. Fazia, em jeito de dança cronometrada, um movimento em arco. Ao meio dia, não se viam muitas sombras. Durante a tarde, começavam a inclinar-se para o lado oposto ao da manhã. Uma vez ou outra, antecedendo o sons emitidos pelas poucas águias que cruzavam os céus agarrados à planície.

Olhando cá de baixo, onde estou, tudo parece infinito. Tudo se assemelha a uma bola, a um mar ao contrário cuja água nestes dias de Verão nunca cai e se mantém colada à planície. Deitado à sombra de uma azinheira, onde a sombra me acolhe e impede que a minha se prolongue, vejo as ondas de calor que me turvam as vistas. Ao longe, num horizonte de restolho, outrora nascido de uma semente, num terreno castanho molhado pelas lágrimas do céu azul, transformado num campo verde a subir em busca do céu azul a cada dia, a germinar as espigas que serão o alimento na semente e na palha. O céu azul nasce nesse castanho torrado e desafia as leis da natureza.

Cerro os olhos que, fechados, esquecem as cores e veem só o negro do vazio forçado. Mantenho-me assim por alguns momentos. O céu azul invade-me o pensamento nesse momento. Sei que há nele o vazio ínfimo do infinito e há nas rochas que dividem e ao mesmo tempo prendem o castanho dourado ao azul perene. Volto a olhar para meu desalento e não vejo as cores do céu azul misturado com o dourado, não sinto o cheiro da terra quente e duvido-me onde estou. Em ambos os lados, em frente betão e vidros.

Não há, na Quinta Avenida desta cidade grande, a cor da memória nem os cheiros da terra misturada com o azul. O banco do passeio é em granito e frio, cinzento e não espelha o céu azul. Só os vidros dos prédios altos, a perder de vista que me impedem a sombra, tal como no campo, refletem o mar ao contrário. Só eles retêm as cores que não chegam cá abaixo. Engulo uma sandes, petisco os cubos de fruta do tupperware, misturo tudo com uma soft drink e ouço o barulho dos carros que apitam e inalo o monóxido de carbono dos carros que passam. Ninguém me olha. Também não quero ser olhado por ninguém. Sentado neste pedaço de granito, uma rocha que divide e ao mesmo tempo prende o céu azul ao cinzento armado.  

Toda a idade é um aglomerado de rochas feitas por homens iguais a mim. Foram os homens e mulheres que sonharam alcançar o céu azul e fizeram crescer os arranha-céus como se fazem crescer as sementes de trigo nos campos do Alentejo pelas mãos de semeadores. Tantos Bailotes dançaram nos campos, orquestrando o som dos campos. Tantos homens se sentaram na viga do prédio em construção, enchendo o estômago como faço agora. Estavam, é certo, todos mais perto do céu azul e tinham todos, no seu olhar, essa cor espelhada.

Eu fico sentado, imaginando o resultado da multiplicidade de todos os meus sentidos e de todas as cores que se instalaram no meu corpo entrando pelos olhos e resultado dos ventos e das lágrimas que o céu azul partilha comigo.

 

Imagem daqui