15 Julho 2017      13:47

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O AMOR É CEGO... E EM GARRAFAS

“O amor é cego” é um dos mais conhecidos ditos populares; serve para justificar muitas vezes que uma vontade, um sentimento, um objetivo, quando é muito forte não se olha a meios para o atingir, nem se ouvem outras vozes que não a dessa vontade.

Foi o que aconteceu com João Rosado, 44 anos, natural de Évora, professor de matemática e apaixonado pela terra, pelas oliveiras e pela herança familiar.

Ao olhar à sua volta, João percebeu qual era o caminho a seguir: queria fazer azeite. O azeite tornou-se um amor, e, como o amor é cego, João fez de tudo para transformar o sonho em realidade, mesmo contrariando os princípios e conselhos mais lógicos na hora da produção.

Estivemos à conversa com o João que nos explicou o seu sonho transformado em realidade.

Tribuna Alentejo (TA) – Quando e como surgiu a ideia e a vontade de fazer azeite?

João Rosado (JR) - A nossa ideia sempre foi preservar e cuidar desta terra de modo a poder transmitir às próximas gerações o gosto pelo campo, tal como o meu avô me ensinou. Quando olhámos à volta, percebemos que este olival, plantado há quase 70 anos, teria que continuar a fazer parte do nosso futuro e, naturalmente, avançámos para a produção de azeite com marca própria. Tornou-se também evidente que, para ser economicamente viável, teríamos que ter um azeite com muita qualidade, uma imagem muito forte e apostar na azeitona galega como elemento diferenciador. E assim, em 2015, lançámos a primeira colheita do Amor é Cego.

TA – Antes de provar o azeite há algo que chega primeiro, o nome. Como chegaram a este nome tão curioso?

JR - É uma história engraçada porque, na procura de um atelier para fazer o rótulo, convidámos uma designer de rótulos de vinho para nos visitar, a Rita Rivotti. Depois de nos ouvir falar sobre este projecto, a Rita sugeriu este nome e nós aceitámos de imediato porque define exactamente o sentimento que nos move.

Não ocorrerá a todas as pessoas lançar uma marca de azeite a partir das oliveiras de sequeiro que existem em 5 ha de terra. Mas foi isso que nós fizemos.

 

TA – O conhecimento foi adquirido ou já havia uma herança?

JR - O meu avô apanhou sempre a azeitona para vender a terceiros e, por isso, eu já tinha algum conhecimento do processo da apanha. O resto do processo tem sido aprendido estudando, recorrendo a amigos e a pessoas com experiência neste sector.

 

TA - E a terra e as oliveiras, porque não apostaram numa cultura que permitisse uma maior produção?

JR - Estas oliveiras, apesar de velhas, ainda têm uma boa capacidade produtiva e, quando bem tratadas, conseguem produzir azeitonas que dão origem a azeite com uma qualidade excelente. Além disso, estamos a produzir um azeite que, apesar de ter custos de produção elevados e baixos rendimentos, diferencia-se por ser de uma variedade nativa de Portugal, que é cada vez menos aproveitada no sul do nosso país.

TA – Para além do olival tradicional alinhado, também têm oliveiras mais velhas dispersas pela quinta, porque razão as mantiveram?

JR - É verdade. Temos cerca de vinte zambujeiros, dois dos quais com mais de dois mil anos. São árvores que resistiram à passagem do tempo e só não foram arrancados na altura em que o meu avô plantou o olival porque têm as raízes agarradas às rochas. São monumentos vivos que queremos preservar.

TA – E o processo da colheita à garrafa; como é feito?

JR  - Aquilo que é fundamental neste processo é tratar bem as oliveiras de modo a que as azeitonas estejam sãs quando são colhidas. A altura da colheita também é importante. Normalmente apanhamos a azeitona durante o mês de outubro. Finalmente, o tempo que vai desde a apanha até à transformação da azeitona em azeite tem que ser o menor possível, não mais de doze horas.

TA - Que características distinguem este azeite?

JR  - É um azeite frutado maduro com notas de tomate e frutos secos. Como a colheita é efectuada com as azeitonas ainda verdes, conseguimos obter alguma frescura e algum picante nas notas de prova.

TA- Que quantidade produzem? Chega para a procura?

JR - Na última campanha conseguimos obter 515 litros. Neste momento é claramente insuficiente em relação à procura. Vamos vendendo a conta-gotas para conseguir ter stock o mais tempo possível.

 

TA – Quem são os maiores compradores deste “amor é cego”?

JR  - Nós vendemos sobretudo em lojas gourmet que têm o azeite à prova. O azeite ainda tem um longo caminho a percorrer, quando comparado com o vinho. Os consumidores ainda não têm a noção que existem vários tipos de azeite e que cada um deles pode ser usado para acompanhar diferentes tipos de pratos. Por isso, faz todo o sentido que haja uma educação para o consumo de azeite e a melhor maneira de o fazer é beber o azeite e comparar com outros.

Também trabalhamos com dois restaurantes que sabem a nossa história e apoiam pequenos produtores como nós.

TA – E para o futuro? Quais os planos?

JR  - O nosso objectivo é aumentar a produção e, por isso, no último ano, alugámos dois olivais com oliveiras galegas semelhantes às nossas. Pretendemos chegar aos mil litros de azeite na próxima campanha.

Por outro lado, pretendemos aumentar o número de visitas à quinta para prova de azeite.  A degustação local do azeite, junto do produtor é a melhor forma de saber como é produzido e ter confiança no que está a provar.