30 Junho 2019      00:46

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Notas sobre o cinema mudo

1 - Der Leztze Mann (1924, F.W. Murnau): A insustentável leveza de um corpo despido da farda

Ou o fardo do infinitésimo descaracterizado

Ou a aterradora consciência do quase vazio do limite inferior (incrivelmente denso)

Ou o realizador como um três de três: mestre-de-cerimónias, deus farsante e regulador da experiência

Ou, ainda, o filme que definiu a modernidade.

 

2 - O Cinema-Olho de Dziga Vertov, O Homem da Câmara de Filmar (1929):

Dziga Vertov, nome artístico de David Kaufman, significa, à letra, Pião, pião que rodopia – de que serviria se assim não fosse? Compreende-se a escolha. Enquanto cineasta (e não é crível que Vertov se visse como tal), recusava a colagem às artes antecedentes, literatura e teatro. Não queria um cinema cujos tempos fossem geridos por intertítulos e recusava a ficção como fonte primária de alimento.

O Cinema-Olho que, enfim, intuiu era a ampliação de um olhar. Do olhar humano para um olhar superior, o olhar do super-herói, demiurgo, regulador da experiência, olhar controlador ajustado pela plenitude. Olhar feito de olhos vários e digressivos; o humano, o maquinal, passando pelo olho-metáfora: os olhos dos moscovitas, o olho da câmara, a montagem que une, desvia, reúne, sem apartar irreversivelmente. O todo não é soma, mas reunião e intersecção, sobrevindo a técnica como o óleo que permite uma condução sem sobressaltos.

Encontrarão nestes breves 66 minutos todos os planos que os sonhos e a intuição vos permitam, um dilúvio de efeitos ópticos e não há campo que fique fora do olhar-do-filme. Cada ponto-sujeito encontra o seu reflexo, sendo que não há ‘outro lado espelho’ para transpor, o olhar-do-filme é, digamos, totalmente abrangente – o olhar absoluto de uma dimensão superior.

Posteriormente, outros também o alcançaram (homens como Hiroshi Teshigahara, em The Face of Another (1968), e Oliver Stone, em Natural Born Killers (1994)), porém não se inventa a roda duas vezes.