5 Fevereiro 2019      15:49

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No pêndulo da descentralização

Na semana em que conhecemos os resultados da adesão aos primeiros diplomas da descentralização, considero importante traçar alguns factos históricos do nosso Municipalismo, da forma como os Municípios têm lidado com o Estado central e das formas de descentralização que temos conhecido ao longo dos tempos.

Antes do Estado já haviam Municípios e com eles uma larga tradição na gestão e administração do território. Seja como forma de coleta de impostos, seja pela ocupação do território, o poder local está enraizado na nossa cultura antes mesmo da nossa nacionalidade. Por isso mesmo, podemos dizer que a descentralização e, no sentido oposto, a centralização, remonta ao Império Romano e posteriormente ao período da Idade Média.

Os Municípios sempre tiveram a sua independência, no entanto, o Estado (poder real) sempre esteve presente na administração municipal, através das leis gerais e das nomeações dos juízes de fora.

As competências têm sido dispares entre os vários períodos históricos; quando hoje discutimos lojas do cidadão, devemos ter presente que os Municípios já serviram, noutros tempos, por exemplo, para aferir pesos e medidas. E quando abordamos as novas competências na área da justiça, que podem passar por questões de reinserção social de jovens e adultos, devemos ter presente que já coube aos Municípios a própria aplicação da lei.

Antes de entrarmos pelo período liberal, fértil em mudanças de posição em relação à administração do território, convém refletirmos sobre a importância nuclear dos Municípios até aos nossos dias e a profunda evolução que os mesmos têm sofrido. Uma relação de absoluta interdependência entre o território, as organizações e as pessoas.

O início do período liberal trouxe consigo a centralização, remetendo a câmara municipal para funções meramente consultivas, estabelecendo a gestão do território a partir de Lisboa (realidade que ainda hoje é percecionada em muitos domínios). Mouzinho, o grande reformador do território, estabeleceu a ideia de organização assente em Províncias, Comarcas e Concelhos – sendo que nessa legislação as competências dos concelhos são também bastante restritas. O rotativismo veio confirmar as constantes mudanças de perspetiva em relação às competências municipais, existindo um pêndulo em relação à centralização e descentralização das autarquias locais durante este período.

O Republicanismo, por seu lado, procurou a afirmação do Municipalismo, sem que, no entanto, as competências dos órgãos locais tivessem sido reforçadas. Se houve, no plano teórico, uma ideia de transferência do poder de decisão para os Municípios, na prática isso não se veio a verificar pela dificuldade de impor uma nova organização administrativa. Esta dificuldade é comum a muitos processos contemporâneos, que encontram na “máquina” administrativa e burocrática do Estado uma forte resistência.

Como não podia deixar de ser, o Estado Novo e a Constituição de 1933, utilizou a centralização do poder administrativo e político como garante do regime ditatorial e da sua perpetuação.

Mais recente é a memória da instituição do Poder Local Democrático, uma das grandes conquistas de Abril e da Constituição de 1976. Este momento rompe com a tendência centralizadora e corporativista anterior e institui, verdadeiramente, o princípio da descentralização e da autonomia municipal.

Aqui chegados podemos fazer uma ponte com o atual processo de descentralização, os seus avanços e, sobretudo, os seus benefícios para as populações. Neste sentido, podemos consensualizar que a Lei-quadro da descentralização (lei n.º 50/2018) foi o maior processo de transferência de competências para as autarquias locais desde 1976. No entanto, há sempre quem diga que se podia ter ido mais longe (competências), que se podiam reforçar mais o poder das autarquias (autonomia) e que tudo podia ter sido feito de forma diferente (recursos).

As cerca de vinte competências que a lei prevê, vão desde a educação aos jogos de fortuna e azar, reformando profundamente a lógica de gestão de proximidade e de eficiência por parte das autarquias locais.

Segunda consensualização, as autarquias gerem melhor que o poder central, logo este processo tem de ser encarado, com as limitações que naturalmente tem, como um avanço na melhoria da prestação de uma série de serviços públicos, aproximando os cidadãos da Administração.

Vamos a um exemplo: um edifício do Estado que esteja sem utilização há três anos pode agora ser gerido pelo Município. Isto é, ou não, positivo? Os céticos dirão que se tratam de mais encargos para as autarquias, no entanto, é indesmentível que é gerado um clima de gestão eficiente e de malha fina dos recursos públicos, sejam eles naturais ou patrimoniais.

Há também quem aponte os Municípios, nesta reforma, como meros “tarefeiros do Estado”. Vamos a outro exemplo: na gestão das estradas nos perímetros urbanos, é ou não positivo os particulares poderem tratar dos assuntos junto da câmara municipal, em vez de o terem de fazer junto da administração central? Claro que a autonomia nas decisões e no planeamento poderia ser ainda mais reforçada, mas esta lei e os diplomas setoriais constituem uma melhoria significativa, que coloca as autarquias num patamar de decisão de novas competências, que era inimaginável, por exemplo, há 5 anos.

Nesta evolução do poder autárquico, esta reforma ficará registada nesta cronologia por marcar a abertura a um conjunto de competências, mas sobretudo por confiar no poder local e nos autarcas. No pêndulo que tem pautado as reformas do território, esta proposta, gradual e progressiva, está claramente do lado do princípio da subsidiariedade e da autonomia do poder local. Os efeitos desta reforma só se começarão a sentir, de forma objetiva, no próximo mandato autárquico, ainda assim, utilizando esta linha cronológica, sou da opinião que vamos assistir a efeitos bastante positivos na mecânica municipal, nomeadamente na inovação da gestão autárquica e em avanços organizacionais profundos no poder local.

 
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