17 Agosto 2020      09:26

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Moçambique não é menos que Timor

Aquilo a que hoje se assiste em Cabo Delgado só poderá ser comparado ao pior período da guerra civil. Desde há vários meses que a violência dos grupos armados tem vindo a subir, com fortes suspeitas de que estes se tenham juntado ao Daesh para obtenção de treino e armamento. A pegada deixada por estes grupos nos últimos meses cada vez mais se assemelha aos níveis de crueldade e asquerosidade das acções perpetuadas pela dita organização jihadista.

Neste momento, estima a ONU, que um quarto de milhão de pessoas se encontrem deslocadas das suas povoações. O movimento no território de uma massa tão abundante de pessoas está já, há muito, a gerar um grave problema de falta de mantimentos. A ajuda alimentar não é suficiente para tamanha massa humana em movimento, chegar um dia mais tarde à aldeia mais próxima pode significar não ter comida nos dias seguintes para agregados familiares, muitos deles, numerosos. Famílias com várias crianças enfrentam situações de serem forçadas pelas circunstâncias a alimentarem-se de raízes e mandioca, num ambiente onde a água é demasiado escassa.

Como se a situação não fosse, por si só, dramática, junta-se-lhe a pandemia de Covid-19 com todos os contratempos que esta gera no dia a dia destas pessoas, e à situação económica cada vez mais débil do país, que já titubeava depois da destruição do ciclone Idai e do ciclone Kenneth, e que hoje lida com a devastação económica da estagnação motivada pelo vírus, e, com um confronto armado no norte que deslocou cerca de 250.000 pessoas.

O papel de Portugal nesta crise tem de passar forçosamente por, em primeiro lugar, garantir a segurança da comunidade portuguesa em Moçambique. Todavia, pelo laço histórico e de interesse estratégico de Portugal, é de total prioridade que Portugal se envolva no processo de contenção da violência e resolução deste conflito. É sabido que Portugal não dispõe dos meios militares e financeiros que países como, por exemplo, a França dispõem no que toca a ajudar na solução de conflitos nos países africanos da antiga esfera francesa, porém, Portugal dispõe de um alcance diplomático desproporcionalmente grande e competente para um país da sua dimensão e relevância, que pode bem fazer a diferença no desencadear de uma campanha internacional de sensibilização que leve a bom porto uma necessária ajuda externa das grandes potências.

O que foi conseguido por Portugal em torno da viragem do século é disso o melhor exemplo. Guterres e Barroso, num gesto de unidade nacional, levaram a cabo uma campanha de sensibilização internacional que abriu todos os telejornais do mundo no mesmo dia a alertar para a grave situação de Timor-Leste. Foi a partir daí que Kofi Annan e Bill Clinton deixaram de ficar indiferentes à situação de Timor. O resto é história. Portugal, um país pequeno e de parca relevância política internacional conseguiu, de facto, que um território minúsculo do sudoeste asiático, ainda mais irrelevante politicamente, se tornasse livre do domínio indonésio. Tudo, pela via diplomática. O que diz muito da astúcia, visão e eficácia da diplomacia portuguesa dentro de todas as suas limitações.

É agora tempo de olhar para Cabo Delgado.