3 Dezembro 2016      10:52

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JANELA SEM VIDROS

"PARALELO 39N"

O monte era um monte antigo, caiado e construído com pedras ali das redondezas. O casal que lá morava era tão velho, mas tão velho que atravessara já dois séculos e continuava ainda rijo como se tivessem vinte anos agora. Ao lado do monte, uma azinheira ainda mais velha do que o casal e do que a cal da parede da casa. Não era tão velha como as pedras que faziam da casa uma casa, mas era já bem avançada nos anos.

O monte tinha telhas iguais às de todos os montes que deixavam crescer o musgo e outras ervas, assim meio esponjosas. São aquelas ervas que só sabe e conhece quem já viu. Quem não viu pode ir olhar para os tetos dos montes velhos e assim vê as telhas de que falo, as ervas e o musgo. Com sorte encontrará as telhas partidas que deixam pingar água para dentro das casas e, entre as ripas de madeira e as canas que as seguram, criam poças de chuva no chão das casas. O chão esse, era normalmente em xisto, varrido diariamente com uma vassoura de lentisca, feita pelo dono da casa. Atrás, na arramada, o feno que foi apanhado no início do verão era cama e alimento das bestas.

Mas o monte, apesar de velho, era conservado pelos donos. Não havia um dia em que a mulher não varresse cuidadosamente cada canto das três divisões. Ah, e diga-se que essas divisões no interior eram feitas em taipa, não tinham usado as pedras que cá foram tornavam a casa num castelo. Dizem em língua estrangeira que a casa de um inglês é o seu castelo. Pois este monte era uma fortaleza, antiga, quase tão antiga como as que foram construídas em Mombaça e Ormuz, ou até a Famosa de Malaca.

A casa, o monte, castelo ou fortaleza como lhe queiramos chamar era acolhedora. Nunca recebia visitas, o casal não tinha filhos. A casa era assim, simples, sem grande requintes na decoração interior. Talvez um estilo minimalista, agregador das vontades. Toda a vida no interior da casa se centrava em redor da lareira, do fogo que era o aquecimento central. Aquecimento, incenso, fumo nos dias em que a chaminé não puxava, enfim, aquilo que hoje é moderno e se torna chique em outro ambiente, esta casa já tinha. Por cima do lume, na entrada da chaminé, palaios e chouriços pendurados e até um presunto que ali foi parar depois de passar três meses numa salgadeira para não criar bicho e a carne salgar. Agora tinha sido barrado com pimentão e colorau e era um presunto fino, pata negra.

Na zona envolvente da lareira, um jantar de grão era cozido numa panela de barro e ao lado, uma outra panela de ferro de três pés que aquecia água dia e noite. Na mesa, sempre um prato de esmalte com um naco de pão, chouriço e umas azeitonas. Descascado, ao lado, um marmelo que tinha sido apanhado no marmeleiro da horta do fundo. Sim, porque o monte tinha três hortas, uma onde se semeavam as couves, outra o milho e naquela mais próxima as abóboras. Era assim porque a altura do ano assim o determinava. Noutra altura seriam outras coisas.

Não obstante, voltemos ao monte. Nele, grandioso, branco como fortaleza pintada, as janelas impressionavam as pessoas que por la passassem. Não passavam muitas. Aliás, raramente encontrava o homem alguém que fosse estranho ao monte.

As janelas não tinham vidros. Nunca tinham tido e não se conhecia o conceito. Tinham só madeira. Quando se abriam, deixavam entrar todo o ar e quando se fechavam, deixavam entrar algum à mesma, nas frestas da madeira. As janelas eram pequeninas por essa mesma razão. Até a porta se tornava pequena, não que os habitantes fossem muito grandes mas, à maneira de antigamente, não era preciso algo gigante. Só as janelas, sem vidro!

 

Imagem de gustavolpsouza.com