30 Outubro 2016      10:51

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INSTALAÇÃO COLETIVA

"CIÊNCIA NA SUA VIDA"

(em Vila Nova de Milfontes)

O conceito de Instalação foi criado pelo Dadaísmo, um movimento artístico surgido no início do séc. XX que, adulterando o conceito tradicional de Arte, se baseava no imprevisto, na desordem e no uso de objetos e elementos de pouco valor.

Na conceção da Instalação os artistas usam objetos construídos ou achados para ocupar um determinado espaço e desenvolver um tema.

 Ao longo do passado verão foi surgindo, na Praia do Farol, uma espécie de Instalação a ocupar quase toda a zona que fica emersa mesmo com a maré cheia.

A Instalação espoleta a afinidade entre a obra e o observador, inserindo-o no interior do trabalho, fazendo-o pensar, interpretar e julgar o que é exposto. Mas esta Instalação da Praia do Farol vai mais além: convida os espetadores a tomar o lugar dos artistas.

Não se sabe quem a iniciou. Muitos lhe deram continuidade. É uma obra coletiva erigida pelas dezenas de pessoas que, ao passarem por ali, são impelidas a mostrar o dadaísta que têm dentro de si. Arrisca-se a ganhar o estatuto de obra de arte, através do próprio ato de selecionar materiais, transportá-los e montá-los de acordo com as ideias e sentimentos que os “artistas” pretendem provocar no observador. Com a particularidade de, na Praia do Farol, “o artista” coletivo ser parco em criatividade limitando-se à replicação da estrutura original.

Muitos até desconhecem o significado daquela sobreposição de seixos. Quase todos ignoram a origem da matéria-prima que usam para erguer a obra…

Os seixos, paulatinamente sobrepostos, são usados, comummente, como marcadores de percursos pedestres que não estão referenciados como Pequenas Rotas ou Grandes Rotas, servindo de orientação aos viajantes.

A arte de empilhar pedras como referencial é uma prática remota que, no passado, servia para marcar os caminhos e orientar os pastores, sendo um excelente auxilio em situações de neve e nevoeiro. Estas esculturas são conhecidas como mariolas.

A maior parte dos seixos usados para erigir a obra foram formados a partir de quartzitos (rochas metamórficas), partidos e rolados pelo mar, ao longo dos últimos 5 milhões de anos.

Quando o mar destruiu a arriba de xistos e quartzitos que existia nesta praia, os quartzitos, por serem mais resistentes, ao contrário dos xistos, não foram alterados e destruídos. Na costa litoral atlântica do Alentejo e Algarve podem observar-se acumulações destes seixos e calhaus rolados em várias praias: Queimado, Aivados, Farol, Carraca, Castelejo, etc.

Estas resistentes rochas são formadas a partir de areias ricas em quartzo, que se acumularam, há mais de 300 milhões de anos nas margens de um antigo oceano.

Quando o antigo oceano se fechou, devido ao movimento das placas tectónicas, as areias das plataformas continentais e outros sedimentos foram compactadas, os respetivos grãos ficaram colados uns aos outros e, sujeitos a temperaturas e pressões, recristalizaram, dando origem a uma rocha muito coesa, bastante dura e de grande inércia química e, por tudo isso, resistente à erosão: o quartzito.

Os cinzentos seixos de quartzitos da Praia do Farol, disputam, atualmente, o protagonismo com seixos de arenito, amarelos e menos lisos.

Apesar de serem alternados pelo “artista” coletivo, que os empilha como iguais nesta obra contemporânea, a sua formação está separada por milhões de anos. Os arenitos que abundam nesta praia formaram-se há pouco mais de 2 milhões de anos. São rolados e erodidos pelo mar ao lado dos quartzitos mas, por não terem sido expostos às altas temperaturas e pressões do interior da Terra, são menos resistentes à erosão.

Num futuro longínquo poucos serão os seixos que terão suportado a contínua abrasão marinha.

Os resistentes quartzitos continuarão nesta praia mais alguns milhares de anos.

Num futuro próximo a Instalação coletiva sucumbirá, baralhada pelas ondas das amplas marés do solstício de inverno, que derrubarão os  seixos empilhados.

Depois, mais mariolas, arenitos e quartzitos se formarão a partir dos despojos dos que hoje estão nesta praia.

São os ciclos da Vida (e da Terra) …