8 Maio 2016      09:24

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GONÇALO CARTER QUEM?

"INCONSTÂNCIAS"

Foi esta a minha primeira reacção. Se não sabe do que falo, mas aposto que sabe caro leitor, vou-lhe explicar já de seguida. Esta semana gerou-se uma polémica com um jovem de 19 anos que publicou um vídeo a bater e pendurar o seu cachorro da janela de um prédio em troca de “likes” na sua página do Facebook. Claro que a situação disseminou-se com tamanha velocidade sendo que a cada 10 publicações, 9 eram deste vídeo. A notícia chegou até aos telejornais, às associações animais como por exemplo a Animal e até às autoridades competentes com uma nota de óbvio desagrado e choque.

Se segue semanalmente os meus artigos deverá saber que eu sou uma ávida defensora dos direitos animais e extremamente empática com o seu sofrimento. Deverá também saber que procuro defender estes com unhas e dentes sempre que tenho a oportunidade e que me ultrapassa a falta de compreensão que estes são seres sencientes e muitas vezes melhores que nós, animais racionais. (Sim, também luto pelos direitos humanos, caso esteja a pensar lançar-me um argumento elaborado que defende que actualmente prezamos mais os animais e que existe uma confusão de prioridades. Que não existe). Neste caso, no entanto, foi outra a minha preocupação e outra a minha curiosidade. Neste caso pareceu-me existir uma urgência gritante da noção do género de adultos que estamos a criar.

Pensei, logo ao ver o vídeo, que o autor de tamanha imbecilidade tivesse entre os seus 15 ou 17 anos. Nunca poderia conceber que uma pessoa com 19 anos conseguisse tal proeza tão oca de maturidade e conteúdo. Maturidade e conteúdo: é este o problema da juventude actual. A juventude actual vive numa espécie de limbo tecnológico onde se cria como avatar num jogo qualquer e fica tão embevecido por essa imagem trabalhada que esquece que esta é apenas uma fachada. Na realidade as coisas são diferentes, na realidade os avatares não existem de modo que a máscara internauta cai ao primeiro abalo mais feroz.

É possível brincar na esfera internauta mas cá fora a vida não se faz de brincadeiras. Cá fora criarmo-nos dá mais trabalho, dá mais dor, causa mais sofrimento, gera mais lágrimas, mais suor, mais sangue. Cá fora todo o sofrimento, todas as lágrimas, todo o suor e todo o sangue prepara-nos para sermos adultos conscientes de que a vida não é uma brincadeira. A vida não é uma imagem bem criada, apetrechos inúteis que nos tornam dignos de um dado grau de popularidade, não são as roupas da última moda nem a futilidade que é mostrar que detemos isto ou aquilo. É mostrar que somos. Quando não somos é mais simples resguardarmo-nos nessa ilusão bem criada e repensarmos se uma ilusão chega para viver.

Ando faz muito tempo para falar desta tendência actual de viver uma vida ilusória. A verdade é que os maiores culpados não são aqueles que se aproveitam da oportunidade de ter uma vida facilitada, mas somos nós que lhes permitimos que isso aconteça. Sim, somos nós que com a nossa atenção e com os nossos “likes” e com as nossas visualizações e com a nossa falta de melhor para fazer que lhes oferecemos toda essa popularidade que eles usam apenas em proveito próprio. São bloggers de moda, são bloggers de maquilhagem, são bloggers de viagens, bloggers de “desafios”, bloggers de tudo e mais alguma coisa que têm apenas como objectivo dar-nos a conhecer mais e mais produtos, mais e mais empresas, mais e mais formas de gastar dinheiro e no fundo nos fazer desejar que a nossa vida fosse assim tão simples e divertida quanto a deles parece ser. São pessoas que, no fundo, ganham milhões de euros sem fazer absolutamente nada. (Sim, caro leitor, é verdade. Existem já personalidades tão famosas nesta área que são realizados “meets” para que estes nos brindem com as suas ideias.)

O problema, no fundo, não é a existência de todos estes bloggers e de toda esta dinâmica. O problema é a importância que nós, espectadores, lhes conferimos. Quanta mais atenção, seja de que género for, lhes for dada mais será a sua fama, seja esta também de que género for. Nestes meios não importa muito que odiemos ou adoremos, importa que falemos. Por isso me abstive de falar de Gonçalo Carter. Se existir uma corrente racional de pensamento este rapaz não é ninguém a não ser um rufia que não cresceu quando deveria ter crescido e que, provavelmente, não fará nada de proveitoso com a sua vida. Isso já deverá ser castigo suficiente quando num momento futuro ele quiser demonstrar-se um adulto capaz. Não necessitamos de incorrer em discursos de ódio, palavras tão feias quanto a situação em si, sentimentos tão pouco dignos de alguém que procura lutar por uma causa tão importante. Não, necessitamos apenas de delegar o caso àqueles que o podem resolver justamente e que têm o poder para o fazer.  

Compreenda-me, caro leitor, não digo que não seja importante denunciar estes casos porque realmente é-o. A denúncia permite que exista uma maior atenção e adequação no resolver deste género de questões. A denúncia cria um conhecimento maior das necessidades que precisamos de colmatar para evoluirmos enquanto sociedade. O que quero dizer é que não devemos perder a cabeça e pedir por justiça popular, imagética da queima das bruxas em praça pública ou da própria decapitação. Porque este exercício cria um círculo vicioso e torna-nos tão maus ou piores do que aqueles que julgamos.

É facto que esta não foi a primeira situação de maus-tratos animais e é facto que não será a última. Numa sociedade que ainda defende tradições como as touradas e outras tantas tão bizarras e violentas quanto esta não poderá ser chocante para nós que existam situações destas. Não poderá ser um choque para nós que tantos ainda não compreendam que os animais não são brinquedos nem um meio de diversão. Poderá, no entanto, e deverá ser um alento para que lutemos cada vez mais e mais afincadamente contra esta realidade ingrata e retrógrada.

Gonçalo Carter quem? É a minha pergunta hoje. As pessoas são somente aquilo que fazemos delas portanto devemos ter a noção que a melhor forma de combater estas personalidades insignificantes é remetê-las á sua própria insignificância. A insignificância de não serem ninguém importante o suficiente para ter a nossa atenção.

A insignificância última que lhes permita compreender que não são especiais, não são famosos, não são importantes…no fundo, não são alguém. São apenas a imagem de uma sociedade decadente que vive uma ilusão extrema da qual prefere não acordar. Cá fora, a vida, vai acabar por se encarregar de lhes mostrar que as coisas acontecem de forma diferente.

 

Imagem daqui