13 Fevereiro 2021      11:03

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As formas de sonho do Maleão

Maleão era um nobre distinto que viveu há mais de duzentos anos. Numa terra quente e húmida, que mais tarde, muito perto dos nossos anos, se viria a reconhecer como tropical, nasceu num berço aristocrático e recusaria, na idade adulta, a ser tratado por menos nível do que a sua raiz nobre merecia.

Maleão, como todos o chamavam, tinha o hábito de corrigir as pessoas. Quando o tratavam pelo nome, sempre adicionava a pequena correção de que o seu nome era Ka, Ka Maleão! Não havia nome mais bonito na terra para ele do que o seu próprio. Tiveram os seus pais chamado Narciso e não teria acertado melhor no nome. Mas isso, como todos sabemos, acaba por ser arbitrário e são outros que decidem o nosso nome, que será a nossa identidade principal, sem que tenhamos uma palavra a dizer ou intervenção no assunto. Era bom que aqueles ainda na barriga das progenitoras pudessem dizer como se querem chamar assim que nascerem e definirem os nomes pelos quais devem ser chamados.

Maleão se pudesse, assim o teria feito e ter-se-ia chamado Narciso Augusto Júlio Cortazar de Bournon Windsor Rockefeller Rothschild de Leão. Porém, não teve eaaa possibilidade e lá teve de se contentar com o simples nome de Maleão. Ao menos tinha Leão no nome, pensava.

Numa terra onde a aristocracia acabou por ser extinta, por razões que agora não traremos a lume na nossa história; primeiro porque não interessam para o assunto e, segundo; não pretendemos acender nenhuma fogueira com discussões de classes sociais.

Dito isto, cuja importância se revelará nula, porque assim era a vida de Maleão e como se diz, não vale a pena chorar sobre o leite derramado, o nosso herói/vilão/qualquer coisa parecida que se possa inserir aqui para terminar a ideia, falemos sobre o presente de Maleão.

É verdade, seguiu a vida do crime. Era um astuto criminoso, como havia poucos. Pensará o leitor que me inspirei nas histórias de Arsene Lupin e na recente série homónima do segundo nome? Ah, talvez um pouco, mas as semelhanças acham pelo facto de ambos serem criminosos. Sabem, Maleão era uma camaleão. Aposto que já tinham adivinhado está parte! Aposto também que puseram de parte o Lupin porque aqui ao entram animais.

A vida de Maleão tomou um rumo que ele não queria. Ninguém se quer tornar criminoso ou ladrão, penso eu. Há quem seja por natureza mas Maleão não tinha isso no seu fundo, incialmente. Havia de aperfeiçoar as suas capacidades...

Tudo surgiria numa noite quente, como eram todas, na terra de Maleão. Estava o rapaz a empacotar as últimas caixas da casa enorme que teve de abandonar quando, do nada, aparece o pior e o mais habilidoso dos ladrões: o macaco que geria e controlava os bairros naquela floresta tropical. Esperto como era, logo viu ali uma janela de oportunidade. Ia trazer Maleão para o seu meio. Assim foi. Fez conversa mansa, foi agradável, convenceu e Maleão juntou-se ao macaco e aos seus companheiros de malandragem. Tinha algo em seu benefício, passava despercebido em todo o lado. Assim podia realizar as operações táticas, entrar e sair em qualquer lugar sem ser notado.

Era o criminoso perfeito! Quase, porque sofria de uma forma de estrabismo que levava a rir tivesse sido alcunhado de o Zarolho. Isso não lhe importava, desde que o macaco pagasse a jorna. Há muito que deixara de ter sonhos em voltar a ter tudo! Para si, bastava-lhe ganhar alguns trocos para satisfazer o vício - atacar as colmeias e sacar algum mel.

Maleão aka o Zarolho tinha mau feitio. Sabia que era imprescindível e sem ele os roubos não seriam feitos. Só tinha pena de não puder morfar-se num daqueles ricaços (novos-ricos), porque a aristocracia antiga era ele, e viver na mansão que tinha sido sua e agora era ocupada por gente sem linhagem. Só tinha essa pena. Ainda bem, brinquemos nós, se não era um papagaio ou outra ave.

A história já vai longa e como nem a vossa atenção dura muito mais, nem quero escrever um romance, vamos lá ver como terminou o Maleão? Há quem me diga que todas as minhas personagens morrem. Não é bem verdade mas admito que, grande parte tenham um final algo trágico, à boa maneira greco-romana e de Shakespeare. Hoje não quero impor a pena mortal a ninguém. Por isso mesmo, o Maleão viverá. Não como criminoso, porque conseguiu abandonar essa vida a tempo. Foi horrível, o dia em que o bando foi chacinado numa rusga de cães-polícia.

Maleão já não fazia parte do gangue e, por isso, sobreviveu. Fique feliz, senhor leitor, Maleão conseguiu entrar na vida política e, adaptado ao seu carácter e maleabilidade, teve o maior sucesso na profissão e fez, inclusivamente, vários mandatos e tornou-se Senador do reino onde vivia!