O meu campo de visão é preenchido por uma imagem pura: a lua está a cair.
Sinto o meu coraçãozinho pequenino a apertar.
Dói. Estou hesitante. Será que é bom estar numa relação a longo prazo com a dor? Será que é bom estar a doer?
As onze da noite batem e as estrelas que pintam o céu comunicam comigo. Tentam transmitir-me algo, mas não as consigo ler. Cantam todas juntas uma melodia incompreensível. Peço ajuda a uma estrela cadente; é esta a função delas, certo?
Elas compreendem-me, mas a única coisa que me oferecem é um pequeno luar, deixando o meu cabelo mais escuro que o habitual, ficando a minha cara com um ar mais rebelde.
Estou instável. Irrequieta. Com suores frios.
Em cima do velho telhado vermelho, jogo pedras ao nada. Isso parece trazer-me a harmonia que é escassa em mim.
Não me lembro como cheguei aqui, não questiono o porquê de estar realmente aqui. Parece que tudo o que construí aqui, à minha volta, desapareceu. Desapareceu tão facilmente quanto um passarinho assustado.
Surgiram tantas perguntas diante dos meus olhos.
Um gato surge e enrola-se nas minhas longas e magras pernas. Passo os meus dedos entre o seu pelo preto e suave.
Agora sim, mais calma.
Deito-me sob as telhas que, esperançosamente, peço para que estejam estáveis e recomeço a contar o meu sonho para o ser que agora me acompanha:
- Eu estava a persegui-lo. Entre flores perigosas e selvagens, sabia que estava segura. Aquilo pertencia-me. Era o meu pequeno paraíso. Os meus olhos pintavam verde, amarelo e branco. Cores da felicidade, diria.
Olhei para o gatinho e parecia compreender-me com os seus olhos amarelos gigantes; então, continuei:
- A minha ansiedade não percorreu o meu corpo dessa vez. Aliás, é como se nunca tivera existido. Ela perdeu-se nas linhas das costas dele. De repente, surgiu uma macieira e o céu nunca estivera tão azul. Estava feliz. Genuinamente contente, sabes? Assim que ele sorriu, soube que era dele e ele meu. Estávamos a percorrer um caminho sem mapa. Não precisávamos disso.
Sorri. Suspirei e fechei os olhos para entrar mais a fundo no meu sonho, de novo.
Era tudo tão azul. Pensei para mim.
- Disse-lhe que me pintava a alma dia após dia. Fiz-lhe um pedido: que dissesse que me amava, vezes sem conta. Precisava de guardar aquele som. Ele fazia-me sonhar com coisas nunca antes pensadas por mim.
Parei e enxerguei o pobre gatinho que levava com o som da minha voz. Estava com os olhos fechados, a dormitar a meu lado. Decidi parar a história por ali.
Já passaram duas horas e continuo com o meu corpo sob as telhas perante a lua mais bonita que já vira; estou plena.
Penso para mim como o sonho acabou. O gato já desapareceu e estou sozinha. Como sempre estivera. Nada tivera passado da minha imaginação.