31 Janeiro 2021      12:38

Está aqui

Flores

O meu campo de visão é preenchido por uma imagem pura: a lua está a cair.

Sinto o meu coraçãozinho pequenino a apertar.

Dói. Estou hesitante. Será que é bom estar numa relação a longo prazo com a dor? Será que é bom estar a doer?

As onze da noite batem e as estrelas que pintam o céu comunicam comigo. Tentam transmitir-me algo, mas não as consigo ler. Cantam todas juntas uma melodia incompreensível. Peço ajuda a uma estrela cadente; é esta a função delas, certo?

Elas compreendem-me, mas a única coisa que me oferecem é um pequeno luar, deixando o meu cabelo mais escuro que o habitual, ficando a minha cara com um ar mais rebelde.

Estou instável. Irrequieta. Com suores frios.

Em cima do velho telhado vermelho, jogo pedras ao nada. Isso parece trazer-me a harmonia que é escassa em mim.

Não me lembro como cheguei aqui, não questiono o porquê de estar realmente aqui. Parece que tudo o que construí aqui, à minha volta, desapareceu. Desapareceu tão facilmente quanto um passarinho assustado.

Surgiram tantas perguntas diante dos meus olhos.

Um gato surge e enrola-se nas minhas longas e magras pernas. Passo os meus dedos entre o seu pelo preto e suave.

Agora sim, mais calma.

Deito-me sob as telhas que, esperançosamente, peço para que estejam estáveis e recomeço a contar o meu sonho para o ser que agora me acompanha:

- Eu estava a persegui-lo. Entre flores perigosas e selvagens, sabia que estava segura. Aquilo pertencia-me. Era o meu pequeno paraíso. Os meus olhos pintavam verde, amarelo e branco. Cores da felicidade, diria.

Olhei para o gatinho e parecia compreender-me com os seus olhos amarelos gigantes; então, continuei:

- A minha ansiedade não percorreu o meu corpo dessa vez. Aliás, é como se nunca tivera existido. Ela perdeu-se nas linhas das costas dele. De repente, surgiu uma macieira e o céu nunca estivera tão azul. Estava feliz. Genuinamente contente, sabes? Assim que ele sorriu, soube que era dele e ele meu. Estávamos a percorrer um caminho sem mapa. Não precisávamos disso.

Sorri. Suspirei e fechei os olhos para entrar mais a fundo no meu sonho, de novo.

Era tudo tão azul. Pensei para mim.

- Disse-lhe que me pintava a alma dia após dia. Fiz-lhe um pedido: que dissesse que me amava, vezes sem conta. Precisava de guardar aquele som. Ele fazia-me sonhar com coisas nunca antes pensadas por mim.

Parei e enxerguei o pobre gatinho que levava com o som da minha voz. Estava com os olhos fechados, a dormitar a meu lado. Decidi parar a história por ali.

Já passaram duas horas e continuo com o meu corpo sob as telhas perante a lua mais bonita que já vira; estou plena.

Penso para mim como o sonho acabou. O gato já desapareceu e estou sozinha. Como sempre estivera. Nada tivera passado da minha imaginação.