12 Fevereiro 2017      13:17

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FILMES VERDADEIRAMENTE ESQUECIDOS III

"DESVIOS E RESPECTIVOS ATALHOS: FILMES, LIVROS E DISCOS"

Wolfen (1981), de Michael Wadleigh

Há uns tempos, numa mesa redonda dada a excessos teóricos, a conversa incidia sobre o olhar necessário para a construção de uma cinefilia afirmativa, moderna e inclusiva. Não se chegou a nenhuma conclusão quanto ao olhar, mas sim, estranhamente, quanto à cinefilia em causa. Forçosamente dual. Ou seja, dito de modo livre, alimentada a Mestres, mas que se saiba deitar com monstros, que não se centre exclusivamente num resultado algures entre 0,9 e 1,1 para a proporção: (valor elevado estética) / (valor elevado substância). É inútil gostar de cinema e desconhecer Bergman ou nunca ter visto o Citizen Kane, numa discussão séria ninguém ousará dizer o contrário. Mas é igualmente escusado deixar que uma vida se escoe sem se ter visto The Beast from 20.000 Fathoms, Fantastic Voyage ou uma selecção de Roger Corman. Generalizo, atirando nomes, por uma questão de racionamento…

Posto isto, reentramos nas madrugadas da RTP 1 de outro tempo. Sábado à noite, por exclusão de partes. O mundo era um pouco mais simples do que é hoje. Com divisões claras e facilmente entendíveis. Havia, por exemplo, os que tinham e os que não tinham jeito para as mulheres, ou então os que tinham e os que não tinham idade. Aqueles com jeito para as mulheres, atirados para a noite, com o seu quê de heróis modernos - cujas histórias de sucesso haveríamos de conhecer ao longo da semana que sobreviesse.

De entre todas, a casta mais baixa abrangia os que não tinham jeito para mulheres nem idade, a esses restava o aparelho de TV. Uma vez em posição, era fundamental saber ver para lá de um certo horizonte de acontecimentos. O que a física garante ser impossível, mas não é, pois a paciência é das poucas coisas que pode ser infinita. Ver, portanto, para lá dos intoleráveis programas de variedades (era assim para os que não tinham idade).

Meia-noite e meia ou coisa que o valha. Bastante tarde. O impossível tornado possível, o pré-genérico de uma qualquer produtora, e Wolfen (demorou quase tanto a chegar como os filmes de sábado à noite…).

Sempre que um filme começa por nos provocar um desconforto frio no estômago, diz-nos o instinto que devemos esperar o melhor. Foi o caso. História de lobos assassinos, não raras vezes mostrado do ponto-de-vista subjectivo dos animais. Sinais quentes versus sinais frios alguns anos antes de Predator.

Conto de raízes ancestrais. Os vínculos profundos com o passado perdido de uma América que raramente se disponibilizou para observar - e nesse sentido a representar em cinema -o tempo pré-colombiano. Referimo-nos ao tempo emocional, é claro. Confronto de eras, apenas percebido pelos antigos. De povos sem idade ligados à terra de uma forma não materialista, e as consequências da invasão dos seus espaços pelo homem moderno. Wolfen é um filme sobre essas consequências sob a forma de homicídios sangrentos. O tema não é novo, a abordagem é.

Em conclusão, uma lança cravada no nosso olhar expectante com o poder dos sonhos misteriosos em que intuímos a materialização do horror logo desde o princípio. E é um filme violento? Quanto baste, mas não ao ponto de ceder à fraqueza que deitou a perder o cinema de terror moderno. Não é a violência exposta o que importa, é antes a expectativa violenta. Wolfen é um dos filmes que melhor o percebeu. Não lhe serviu foi de muito, nem ao seu realizador que, segundo consta, acabou como condutor de autocarros num daqueles estados do meio que nunca aparecem nos filmes.

 

Imagem de towerfarm.blogspot.pt