17 Dezembro 2016      11:57

Está aqui

FAMEL

"PARALELO 39N"

O moço havia de ter os seus treze, catorze anos. Notavam-se na sua cara os primeiros pelos e as primeiras borbulhas da puberdade. O seu corpo começava lentamente a mudar e sentia-se também já na sua voz esganiçada que umas vezes era grossa e outras vezes de criança. Aquilo alternava e fazia o som de uma cana rachada muitas vezes, mas ele não se importava. Aliás não sabia muito bem porque é que aquelas mudanças todas estavam a acontecer. Mas se estavam, isso seria por uma boa razão, pensava ele. Embora não fosse em medida nenhuma comparava, já ajeitava o bigode como se fosse igual ao do seu pai, farfalhudo. Coisas de adolescente em fase de começar a puberdade.

O moço morava no monte. Ia todos os dias da semana à escola à vila, na camioneta da carreira, junto com os outros moços e com as outras moças do povo e das aldeias vizinhas. Era uma alegria. A camioneta passava aí um pouco depois das seis da manha e ficavam todos juntos na casinha de espera, feita em cimento com telhado de lusalite e, finalmente, quando chegava o machimbombo, como se diz em Moçambique (embora este fosse no Alentejo), já antigo, podiam apanhar um bocado de calor da chauffage até à porta da estação das camionetas. Daí até à escola era mais um bocado de frio a roçar nas orelhas. Bem, a isto os moços e as moças já estavam habituados. Este moço em particular não era muito virado para a Escola nem se interessava muito pelas coisas que os professores diziam. Andaria lá, pensava, até ao nono ano porque era obrigado e isso, no seu orgulho próprio, havia de fazer. À rasquinha, mas havia de fazer, fosse o que fosse! A matemática era um bocadinho melhor do que nas outras disciplinas.

Português, então, não era com ele. Num texto de setenta palavras, diga-se de passagem que toda a gramática sofria uma profunda restruturação e se tornava num código pouco percetível quer à professora quem a todos aqueles que o lessem. Sem dúvida que a escola não era com ele. A sua disciplina preferida era mesmo a eletrotecnia e a mecânica e aí, meus amigos, ninguém o batia. O moço tinha jeito e sonhava ser mecânico. Bem, primeiro que tudo sonhava ser piloto de Fórmula 1 ou de Motociclismo (o quarto estava cheio de posters de Valentino Rossi e de carros da Fórmula 1, daquelas pistas que via na televisão e vinham no meio das revistas de motociclismo e automobilismo.) Se, por alguma razão, esse sonho não se concretizasse, havia de ser mecânico. Alterar e modificar carros, alterar e rebaixar motorizadas. Havia de ser mecânico e não é que o raio do moço levava jeito. Não havia nenhum homem adulto que se pusesse na aldeia a discutir as partes dos motores com ele. Era capaz de montar e desmontar motores sem sobrarem peças. E isso, não é fácil.

Isto era a escola. Ao fim de semana o moço podia finalmente fazer aquilo que gostava, dedicar-se à motorizada que o pai lhe tinha passado. O pai tinha comprado uma V5 e passou-lhe a Famel antiga que tinha. Já tinham dado notícia ao moço que a Zundapp é que estava a dar mas ele não ia em cantigas e dava só primazia à sua Famel. Certo era que já a tinha modificado toda e a Famel que tinha saído da fábrica não era nem de perto nem de longe aquela que ele tanto prezava. Em algumas partes da motorizada, remendos de tinta para disfarçar a ferrugem que por ali já andava. Os amortecedores pertenciam a uma outra marca qualquer que já ele próprio sabia bem qual ela. De lado, sempre a acompanhar, uma bomba de ar para os furos que as pedras dos caminhos de terra batida pudessem causar. Não tinham câmara-de-ar sobresselente mas aquilo chegaria a casa nem que para isso pusesse o spray maravilha anti furos.

E era esse o fim-de-semana. Encher o depósito de gasolina, misturar com o óleo próprio para as motorizadas e fazer grandes corridas cerro acima e cerro abaixo com os amigos como se fossem motoqueiros de Harley Davidson a atravessar a Route 66 na América, tal e qual como aparecia nos filmes. A diferença maior era que as calças de ganga ficavam cheias de verniz de esteva quando se aventuravam em caminhos de cabra e com os joelhos e as canelas todas marcadas das quedas ocasionais na Famel. Chatice, chatice era quando se partia o cabo dos travões ou saía a corrente mas tudo se ultrapassava menos a chegada do domingo à noite e a hora de voltar à Escola no dia seguinte.

 

Imagem de img.olx.pt