15 Abril 2016      18:06

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COMO SE FAZ UM LEGISLADOR BANDIDO NO BRASIL

“MENOS ESTRANGEIRO”

De tudo o que está acontecendo no Brasil atualmente, o mais difícil para mim é explicar como pode o Congresso Nacional, formado pelas duas casas legislativas federais, a Câmara dos Deputados e o Senado, estar tomado por um número tão grande de políticos corruptos.

Preocupa-me que alguns portugueses possam pensar que as máximas “todo povo tem o governo que merece”, ou os representantes são “o espelho de seus eleitores”, sejam suficientes para explicarem este estado de coisas vergonhoso na política brasileira. Eu trago uma outra explicação, que tem a ver com a nossa cultura política, assente no personalismo e na desinformação de grande parte da população sobre a organização política do Estado brasileiro.

Assim como o Congresso Nacional, também as câmaras municipais e estaduais estão repletas de falsos legisladores. Em 2008, durante as eleições para prefeito e vereadores, equivalentes às eleições autárquicas portuguesas, eu realizei uma pesquisa etnográfica num pequeno município da Bahia. Uma das primeiras constatações a que cheguei foi a de que os candidatos a vereador apresentavam, nos seus discursos, plataformas equivalentes às dos candidatos ao executivo. Ao invés de indicarem seus princípios políticos e seus projetos de lei, aqueles candidatos prometiam realizações que não lhes competiam.

Eles agiam e ainda agem assim por um motivo simples. Para os brasileiros mais pobres, as eleições representam períodos em que eles “passam a valer alguma coisa”. Esta expressão de abandono e de vulnerabilidade é própria de uma história de desigualdades, em que as classes mais baixas sobreviviam exclusivamente pelo favor dos mais ricos e por estes eram educados a continuarem dependentes e presos à ignorância. Muitos acreditam, por exemplo, que sem o “empurrão” de um deputado não conseguirão um atendimento especializado na rede pública de saúde. Também indivíduos das classes médias estão articulados a redes clientelistas, porém na sua maioria eles são beneficiados com empregos e contratos públicos, além de favores e apadrinhamentos de naturezas diversas.

Este cenário nos mostra que as eleições no Brasil têm historicamente funcionado como balcão de favores entre políticos e eleitores. Aqueles estão, via de regra, atrelados a interesses extractivistas e mercantis. Parcela relevante de partidos políticos usa os governos para beneficiarem grupos econômicos em nível local. Grandes empresas recebem subsídios tributários para instalarem filiais pelos interiores brasileiros e assim contratarem jovens trabalhadores sob condições degradantes, no limite da legalidade. Este arranjo explorador somente é possível em articulação com as casas legislativas federais, estaduais e municipais. Tudo isto faz com que eleger-se vereador, deputado, ou senador represente um investimento lucrativo, uma vez que as empresas e corporações compram votos de legisladores, assim como estes compram os votos dos seus eleitores.

Ainda que muitos cidadãos tenham consciência de que suas opções eleitorais são nefastas ao interesse público, a maioria passa ao largo de perceber as implicações dos seus votos nos legisladores. Para estes incautos, os deputados são como uma aristocracia de caciques, amigos dos poderosos, ou eles mesmos detentores de enormes fortunas e, portanto, aptos a lhes retribuir o voto com favores ou a comprá-lo com dinheiro vivo. O problema da compra de votos é constante na história da república brasileira e, embora tenha atenuado nos últimos anos, ainda é uma característica das eleições Brasil a dentro.

Outras moedas de troca circulam durante os processos eleitorais, além do prestígio e do poder financeiro. O ex-presidente Lula e seu governo fizeram com que a competência administrativa também se tornasse num capital político importante, o que representa um avanço. Porém, a religiosidade tem sido cada vez mais decisiva nas disputas eleitorais. Os políticos que usam a linguagem religiosa para conseguirem votos lidam com outras vulnerabilidades, nomeadamente a suscetibilidade popular ao discurso messiânico, muitas vezes revestido de engodos, preconceitos e mesmo de ódio.

Sabe-se que, internacionalmente, o chamado neo pentecostalismo tem sido arma para o avanço neoliberal em zonas de grande desigualdade social. No Brasil, legisladores desta categoria atuam combinados com representantes de grandes setores econômicos, inclusive o setor bélico, fazendo com que a aprovação de projetos de lei de caráter financeiro seja cambiada pela aprovação de projetos que limitam direitos civis, na esteira da moralidade restritiva daquele espectro religioso. Obviamente, os objetivos desta horda de falsos cristãos são financeiros e não morais. Sendo assim, a bancada evangélica é campeã em número de políticos processados por corrupção, demonstrando que o legislativo brasileiro é o destino de homens e mulheres que, seja por estarem a serviço do poder econômico ou pelo discurso religioso, têm como objetivo único amealharem riqueza pessoal, numa verdadeira cruzada criminosa ao coração político nacional.

Portanto, a explicação para o fato de estarmos com a República brasileira refém de uma quadrilha deve articular, por um lado, indivíduos inescrupulosos, que vêem na política o caminho de ouro à riqueza e a um maior empoderamento local e, por outro, perdido no escuro de sua ignorância e vulnerabilidade, o eleitor mais pobre dos rincões, para o qual o voto ainda é moeda e a mão do poderoso, muitas vezes, a fraudulenta garantia de alguma dignidade.

Esta, contudo, nunca se realiza, especialmente quando tudo corre mal na economia. Neste caso, a culpa das mazelas recai sempre sobre o presidente, o governador ou o prefeito, visto que, idiotizados e ignorantes dos seus direitos políticos, aqueles eleitores estão impossibilitados de enxergarem responsabilidades entre os agentes enganadores que, graças à sua fraqueza, enchem as câmaras e o senado a gozarem de enormes privilégios à custa da manutenção da miséria de quem lhes abriu o caminho até o topo.

 

Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo. - Manifestantes jogam dinheiro sobre Eduardo Cunha, atual presidente da Câmara dos Deputados e réu em processos criminais e administrativos.