3 Março 2017      15:43

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COELHOS, GIRASSÓIS E O CÓDIGO DA VINCI

Como muitos se recordarão, o enredo do famoso best-seller “O Código Da Vinci”, de Dan Brown, inicia-se com a morte do curador do museu do Louvre, Jacques Saunière, e tem como uma das peças chave a mensagem secreta que Saunière deixou escrita, no chão, pouco antes de morrer.

Nessa mensagem, de três linhas, existia uma referência a Leonardo Da Vinci, no anagrama “O, DRACONIAN DEVIL!” e uma referência a Mona Lisa, no anagrama “OH, LAME SAINT!”. Para além destes dois anagramas a mensagem tinha ainda a sequência numérica, 13 , 3 , 2 , 21 , 1 , 1  , 8 , 5, que, também ela, era um anagrama. A sequência numérica, deixada por Saunière, é composta por sete números que, depois de ordenados, por ordem crescente, dão início à mais enigmática sucessão numérica da história da Matemática, conhecida como sucessão de Fibonacci.

O mais talentoso matemático ocidental da Idade Média, Leonardo Fibonacci, nasceu em Pisa, em 1170. Leonardo passou a sua infância no Norte de África, onde o seu pai exercia funções. As constantes viagens, a que o pai era obrigado, proporcionaram, a Leonardo, o contacto com diversos cientistas árabes e mercadores, que lhe deram a conhecer o sistema de numeração indo-árabe e contribuíram para a sua sólida formação Matemática. Maravilhado com os dez algarismos do sistema de numeração indo-árabe e as enormes vantagens que este apresentava sobre o sistema de numeração romano, então usado na Europa, Fibonacci acalentava esperanças de difundir o sistema de numeração indo-árabe na Europa e deixar para a posteridade toda a valiosa informação que tinha recolhido durante os anos de viagens. Regressado a Pisa, Fibonacci escreveu, em 1202, a sua obra mais importante Liber Abaci, livro dos cálculos, que rapidamente se tornou popular entre os matemáticos italianos da época e marcou um momento de viragem na Matemática ocidental da Idade Média.

“Os nove algarismos hindus são 9 8 7 6 5 4 3 2 1. Com estes nove algarismos e com o símbolo 0, a que os árabes chamam zephyr, qualquer número pode ser escrito, como demonstro a seguir.”

Assim começa o Liber Abaci, onde Fibonacci, ao longo de 15 capítulos, apresenta as regras para o cálculo com os numerais indo-árabes, diversos problemas relacionados com cálculo de juros, conversões monetárias e de medidas e outros onde surge o método da falsa posição e a resolução de equações quadráticas.

Embora seja inegável o valioso contributo de Fibonacci para a disseminação do sistema de numeração indo-árabe, proporcionando novos horizontes para a Matemática, o seu nome é conhecido, principalmente, devido à solução de um dos problemas do seu Liber Abaci.

No 12º capítulo do Liber Abaci, Fibonacci enuncia um problema onde questiona quantos pares de coelhos existirão ao final de um ano, gerados a partir de um casal de coelhos original, supondo-se que os coelhos começam a procriar no segundo mês de vida e que cada par gera um novo casal de coelhos ao fim de cada mês. De acordo com as condições do problema, existe inicialmente um casal de coelhos (o jovem casal original). No mês 1 esse casal continua só mas é já adulto. No mês 2 nasce um novo casal de coelhos, existindo, portanto, dois casais, um adulto e um jovem. No mês 3 o casal adulto origina um novo casal mas o casal que nasceu no mês anterior é jovem e não tem ainda descendência, existem agora 3 casais. No esquema que se segue (figura 1) pode ser visto o que acontece até ao 5º mês, quando existirão 8 pares de coelhos.

Figura 1: Sequência do número de pares de coelhos, onde cada  representa um par de coelhos.

Continuando o processo, existirão 13 pares de coelhos no 6º mês, 21 pares no 7º mês, 34 pares no 8º mês, 55 pares no 9º mês, 89 pares no 10º mês, 144 pares no 11º mês, 233 pares de coelhos ao final de 12 meses. A sequência numérica que daqui resulta é:

1   1   2   3   5   8   13   21   34   55   89   144   233   377[1]

Esta sequência é definida recursivamente[2] (o número de coelhos em determinado mês é a soma dos pares de coelhos existentes nos dois meses anteriores), pelo que é possível continuá-la indefinidamente,

1   1   2   3   5   8   13   21   34   55   89   144   233   377   610   987   1597   2584   …

A sequência de Fibonacci é a mais antiga sequência recursiva conhecida. Curiosamente, Fibonacci não fez qualquer referência a esta natureza recursiva nem deu qualquer importância à sequência encontrada.

Figura 2: Página do livro Liber Abaci . A caixa vermelha à direita apresenta a sequência de Fibonacci. http://dionisoo.blogspot.pt/2010/02/un-percorso-storico-tra-numeri-e.html

A fama da sequência só chegaria séculos mais tarde, quando uma observação mais atenta dos números que a compõem revelou intrigantes propriedades, passando a ser alvo da atenção de alguns dos mais prestigiados matemáticos.

Embora o problema dos coelhos seja um mero exercício teórico, existem diversos exemplos da presença da sequência de Fibonacci na natureza. Um dos mais conhecidos e surpreendentes é o dos girassóis, onde os números de espirais de sementes em cada um dos sentidos são termos da sequência de Fibonacci. Também em conchas como a do nautilus, é possível encontrar a sequência de Fibonacci na forma de uma espiral. Essa espiral, designada por espiral de Fibonacci, é obtida a partir da construção de rectângulos cujos lados são os números de Fibonacci (ver figura 3).

Figura 3: A construção da espiral de Fibonacci.

Mas a magia da sequência de Fibonacci vai muito para além do que possamos imaginar, encontrando-se relações entre esta sequência e, por exemplo, o número de ouro e o triângulo de Pascal.


[1] Fibonacci terá suposto que os coelhos teriam 1 mês de idade pelo que não considerou o 1º termo obtendo como último termo da sequência o  377 (ver figura 2).

[2] Numa sequência numérica recursiva cada termo é obtido através de uma fórmula que traduz operações com termos anteriores a este.