18 Novembro 2018      14:44

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Cante(mos)

“Um povo que canta não pode morrer.” É esta a frase de Giacometti que tem lugar de destaque na Casa do Cante, em Serpa.

Quase a fazer quatro anos da nomeação do Cante Alentejano como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO, o Cante reconquistou a sua importância no coração dos alentejanos e é agora presença assídua em eventos e festivais de música.

Os grupos corais desenvolveram-se e outros nasceram; jovens aprenderam e seguiram a tradição. “A cultura é um direito do povo” diz um cartaz de 1983, afixado na antiga Taberna do Fané - com a sua “pasteleira” pendurada no teto - e que é agora casa de um dos mais míticos grupos corais alentejanos, os “Camponeses de Pias”.

O Cante não só é cultura como é das máximas expressões coletivas do povo alentejano; sobrevive sem qualquer tipo de apoio específico por parte das entidades governamentais, tal como outros Património Imateriais nacionais, e que não estão ainda a salvo. O Cante tem ainda um longo caminho a percorrer, aquele que lhe deu origem nos campos do Alentejo: o da luta pela sobrevivência!

Dizia Miguel Torga que “Mais do que fruir a direta emoção dum lúdico passeio, quem percorre o Alentejo tem de meditar. E ir explicando aos olhos a significação profunda do que vê.” E foi isso que fiz no passado fim de semana, na apresentação pública do CanteFest 2019, em Serpa, e que me deu, não só a oportunidade de ser muito bem recebido, de conviver e cantar com os “Camponeses de Pias”, como também a de voltar a um Alentejo que já havia esquecido e que pensava já não existir: o do isolamento, da falta de rede elétrica e água potável.

Foi desta dureza da vida, de ter que arrancar da terra o sustento a qualquer custo, que nasce o Cante; é esta imagem que Sérgio Tréfaut tão bem retratou em “Alentejo, Alentejo”, o documentário que acompanhou a candidatura do Cante em 2014.

É ao conviver com pessoas simples e humildes, que dão o que de melhor têm a quem recebem e que lutam diariamente contra o isolamento em pleno séc. XXI, que nos lembramos das imensas futilidades com que lidamos diariamente. Estas pessoas só agora vêm – quase literalmente – a luz ao fundo do túnel com um plano para distribuição de eletricidade na Serra de Serpa e que trará melhores condições a cerca de 50 famílias.

Mas da Serra de Serpa vêm também casos de sucesso, como aquele que fez de “Zé” Guilherme o maior produtor de queijo de Serpa do Alentejo, começando por uma queijaria tradicional, herança de família, ao fabrico industrial à base de gerador, para agora distribuir entre 1550 e 2000 quilos de queijo diários.

São estes exemplos de resiliência que marcam a história do povo alentejano a quem tantas vezes Lisboa virou costas, obrigando a tornar as fraquezas, forças, as mesmas que hoje marcam o Alentejo como um destino turístico e cultural de eleição sempre com o campo, o sol e a terra em pano de fundo. Seja o vinho, o azeite, o pão, o queijo, os enchidos, a gastronomia e o imaterial como a hospitalidade, solidariedade e o Cante, todos eles são reflexos da História e das vidas do Alentejo.

Por todo o Alentejo há Cante; mais, onde há um alentejano há Cante e é para celebrar o facto de ser Património Mundial que surgiu o CanteFest, em Serpa, uma iniciativa do município, e que reunirá - de 23 a 27 de novembro – data da nomeação pela UNESCO – cerca de 400 cantadores e inúmeras atividades de homenagem a esta marca alentejana e onde se destacam a apresentação de vários livros e CD e um concerto, no dia 24, na Igreja de São Paulo, em Serpa, do Conservatório Regional do Baixo Alentejo, que apresentará o Cancioneiro de Manuel Dias Nunes, com um Quinteto de Cordas e Duas Vozes.

A Câmara Municipal de Serpa tem um sonho que quer ver realidade, e que foi manifestado pelo seu presidente Tomé Pires: no próximo ano, aquando da celebração de 5 anos do Cante como Património Imaterial pela UNESCO querem ter a funcionar o Museu do Cante e que reunirá um vasto espólio musical, literário e fotográfico e um espaço interativo.

O Cante consubstancia em poucas palavras e versos simples o Alentejo todo e tudo no Alentejo. Como num prato de açorda, num bom vinho, ou no ecoar de palavras simples e sábias de quem viveu o campo de manhã à noite, o Cante é parte de mim como Alentejano. O exemplo que dele retiro? Ser resiliente todos os dias.

 

 

Imagem de sapo.pt

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