21 Junho 2016      12:43

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CAMPANHA ELEITORAL DE HILLARY CLINTON APRESENTA … O PIOR DIAGRAMA DE VENN DE SEMPRE!

"O MUNDO DOS NÚMEROS"

Muito se tem dito e escrito, por terras do tio Sam, acerca de um tweet publicado por Hillary Clinton, no passado dia 20 de Maio, versando a defesa de medidas de controlo sobre armas de fogo. O motivo de tamanho alarido foi o diagrama de Venn incluído nesse tweet, já apelidado por muitos americanos como “O pior diagrama de Venn de sempre”.

Um diagrama de Venn, na sua forma mais usual, é composto por dois círculos que se sobrepõem. Cada um dos círculos representa um conjunto. A intercepção desses conjuntos representa os elementos que pertencem a ambos os conjuntos e as partes não sobrepostas contêm os elementos que pertencem exclusivamente a um desses conjuntos. De forma ideal, estas representações deverão ser feitas à escala.

Um diagrama de Venn mostra todas as relações lógicas entre os conjuntos nele representados e a sua interpretação baseia-se na observação do posicionamento e escala dos conjuntos representados.

No diagrama de Venn, incluído no tweet, (ver figura 1) existe um círculo a azul e um círculo amarelo parcialmente sobrepostos. Na região onde os círculos se interceptam surge o rótulo “apoia a verificação de antecedentes”, nas partes não sobrepostas dos círculos azul e amarelo aparecem, respectivamente, os rótulos “90% dos americanos” e “83% dos proprietários de armas”.

 

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Figura 1: Diagrama de Venn do tweet de Hillary Clinton

De acordo com o contexto do tweet, pressupõe-se que o diagrama de Venn pretende ilustrar o forte apoio, dos americanos em geral e dos proprietários de armas, às medidas que Hillary propõe para o controlo sobre armas de fogo. Contudo, nenhuma das possíveis leituras correctas do diagrama conduz a essa interpretação, devido aos vários erros presentes nesse diagrama, relacionados com a escala e a relação entre os conjuntos representados e a localização da informação textual.

Uma primeira interpretação, que advém do posicionamento usado para a informação textual acerca dos conjuntos representados, leva-nos a concluir que 90% dos americanos (parte do círculo azul não sobreposta) e 83% dos proprietários de armas (parte do círculo amarelo não sobreposta) não apoiam “a verificação de antecedentes”, visto que, o rótulo “apoia a verificação de antecedentes” apenas se refere à parte onde os dois círculos se sobrepõem, o que, de acordo com a informação dos rótulos, será 10% dos americanos e 17% dos proprietários de armas.

Noutra possível análise surge-nos uma dúvida. Se “os americanos” (a azul) e os “proprietários de armas” (a amarelo) são dois grupos com apenas uma parte em comum, quem está incluído na parte do círculo amarelo que não é sobreposta pelo círculo azul? Não americanos?

De acordo com esta última interpretação, a conclusão seria que 83% dos proprietários de armas não são americanos, uma vez que é esta a percentagem referida na parte do círculo amarelo que não intersecta o círculo azul e que 90% dos americanos não possuem armas, pois é esta a percentagem referida na parte do círculo azul que não intersecta o círculo amarelo.

Para que o diagrama ilustrasse, fielmente, a relação entre os conjuntos:

- o círculo azul deveria representar a totalidade dos americanos;

- o círculo amarelo deveria representar a totalidade dos proprietários de armas;

- o círculo amarelo deveria estar, na sua totalidade, dentro do circulo azul, uma vez que o conjunto dos proprietários de armas é um subconjunto do conjunto dos americanos;

- a área do círculo amarelo deveria ser menos de metade da área do círculo azul, uma vez existem 136 milhões de proprietários de armas  numa população de 319 milhões de americanos.

- um terceiro círculo, representando o conjunto dos que “apoiam a verificação de antecedentes” deveria intersectar 90% da área do círculo azul e 83% da área do círculo amarelo.

De facto, a versão rigorosa do diagrama de Venn que traduz a relação entre os conjuntos “americanos”, “proprietários de armas” e “ apoiantes da verificação de antecedentes” não teria um aspecto tão simples e apelativo como o que foi usado no tweet, mas isso não poderá ser desculpa para o desastre diagramático que apresentaram.

 

 

Um pouco da história do diagrama de Venn

 

Os diagramas de Venn foram introduzidos por John Venn (1834-1923) no seu artigo On the Diagrammatic and Mechanical Representation of Propositions and Reasonings  publicado no Philosophical Magazine and Journal of Science, em 1880, e surgiram na sequência das dificuldades que Venn sentiu ao usar os diagramas de Euler, em problemas lógicos complexos. Sendo uma reinvenção das representações diagramáticas usadas por Leonhard Euler (1707-83), para auxiliar a compreensão de silogismos, aparecem por vezes com a designação de “diagramas de Euler-Venn”. Comparativamente com os diagramas de Euler, o diagramas propostos por Venn têm a vantagem de permitirem mostrar todas as possíveis relações lógicas entre uma colecção finita de conjuntos. Venn propõe ainda o sombreamento de áreas nos diagramas, de forma a permitir a representação de classes inexistentes.

Como exemplo da forma como Venn conseguiu contornar algumas das limitações dos diagramas de Euler, comparemos os diagramas de Euler e Venn para indicar “Todo o B é A, algum A não é B”.

Figura 2: Diagrama de Euler para indicar “Todo o B é A, algum A não é B”

 

Neste diagrama de Euler identificamos três regiões, representando “B e A”, “A mas não B” e “nem A nem B”, verificando-se que não existe nenhuma região que represente “B mas não A”.

Como se pode ver na figura 3, os melhoramentos introduzidos por Venn já permitem mostrar todas as relações lógicas entre A e B, na representação de “Todo o B é A, algum A não é B”. Atente-se que a introdução do sombreado permite a representação da classe correspondente a “B mas não A” e a indicação da sua inexistência.

 

Figura 3: Diagrama de Venn para indicar “Todo o B é A, algum A não é B”

 

Apesar da significativa melhoria resultante das alterações introduzidas por Venn, nos diagramas de Euler, Venn continuou a referir-se a eles como círculos de Euler. O termo “diagrama de Venn” só  surgiu em 1918 no livro “A Survey of Symbolic Logic” de Clarence Irving Lewis.

 

Imagem daqui.