25 Maio 2019      11:35

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A campanha

No exato dia em que se iniciou a campanha para as Europeias, Olinda Serpentina tomou uma decisão. Era importante participar ativamente na campanha para as eleições de quem toda a gente falava. O seu dever cívico de mulher alentejana e comprometida com causas, diversas, independentemente da sua finalidade, desde que fossem boas e corretas, falou mais alto e gritou-lhe ao ouvido até. Olinda Serpentina tinha de participar na campanha eleitoral. Era imperativo que defendesse as ideologias que estavam em jogo. Tinha de ser mesmo. Não fazia sentido de outra maneira. Era uma mulher diferente de todas as outras. Nunca se interessara por homens ou mulheres, apenas pelo pensamento e pela filosofia. Quando tinha 12 anos já tinha lido todos os volumes de Marcel Proust – Em busca do Tempo Perdido, aos 16 já lera os grandes clássicos como o Leviatã de Hobbes, Francisco Suarez, até Maquiavel.

A política interessava-a verdadeiramente e Olinda Serpentina tinha participado em todas as eleições, desde o 25 de abril. Esta não seria diferente. Seria, mas no seu teor. Olinda tinha tido a brilhante ideia de, em cada dia que durasse a campanha, faria a mesma por um partido diferente. Queria ela, mulher cultíssima e fina, perceber a verdadeira essência de cada uma das ideologias e dos partidos ou movimentos que se candidatavam ao Parlamento Europeu. Como eram só 15 dias, teria de ficar um de fora, pois, segundo sei, havia 16 candidaturas. Após extensiva preparação anterior sobre os conteúdos de cada uma das forças políticas, lá escolheu quem não iria representar. Eu não sei quem foi, e também por estarmos em dia de reflexão, não direi. Não só não direi quem ficou de fora como também não mencionarei o nome de nenhum dos partidos ou movimentos políticos.

Dia 1: Sai Olinda de casa, boné oferecido, avental, saquinho e bandeira. Caneta também tinha e lá foi ela, à procura do resto do grupo que andaria em campanha. Encontrou algumas pessoas, não muitas, mas as suficientes para perceber a sua essência. Olinda partilhou dos seus ideais durante esse dia, como partilhou dos outros nos dias seguintes. Nesse dia, foi uma deles. Gritou frases feitas, entregou folhetos, deu beijinhos e abraços. Fez tudo o que tinha visto fazer na televisão. Era assim a nossa Olinda, mulher comprometida com ideias e incansável de beber cada vez mais conhecimento. Nesse dia bebeu conhecimento e uma ginjinha.

Apesar de ser natural do nosso Alentejo, a nossa Olinda teve de se deslocar a Lisboa, ao Porto, ao Algarve, inclusive até às Regiões Autónomas. Foi bom, desabafou ela, no dia da reflexão, que é hoje. Passou a conhecer o país. Cada dia com uma personalidade diferente mas isso era o menos. Agora era verdadeiramente uma cidadã exemplar e politicamente ativa. Tão ativa que não parou na terra durante esses dias.

Dias 2 a 14: Olinda anda numa azáfama a trocar de t-shirt e de cores e a preparar o discurso. Levantava-se a nossa heroína ativista às 5 da manhã e caía na cama de uma qualquer pensão às 11 da noite. Escolhia pensões mais económicas que isto de ser ativista, partidária e envolvida em campanhas também tem os seus senão e há sempre dinheiro envolvido. Apesar da sua iniciativa e do seu compromisso, os euros não eram assim tantos e o pensamento filosófico não profissional, não lhe dava alimento à boca. Esse tirava-o das horas que fazia em limpezas e como ajudante e prestadora de serviços.

Nesses dias, os mais intensos foi tudo, da esquerda à direita, transversal, moderada, liberal, conservadora, europeia, antieuropeia e até foi defensora dos animais. Para tudo encontrara enquadramento mental que a ajudava a perceber e sabia que, no dia 26 iria ser a eleitora mais esclarecida do que estava em causa nas eleições para o Parlamento Europeu.

 

Último dia, grande comício, Olinda na primeira fila, com vontade de orar, mas não a deixaram… havia de ser nas legislativas daqui a uns meses. Ainda tinha uns dias de férias para gozar e tinha-lhe ficado o bichinho. Ainda não sabia quantos dias teria de andar em outubro, mas sabia que ia andar. Adormeceu à meia-noite e dormiu sábado o dia inteiro. No domingo, foi a primeira a votar, logo a seguir aos membros da mesa e aos votos antecipados. Votou bem ou votou mal? Não sei porque não lhe perguntei, nem perguntaria e nem ela poderia dizer. O que conta é que votou.  

 

 

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