15 Novembro 2020      11:44

Está aqui

C(alma) comigo

(Lê isto antes de eu me ir embora. Leva-me de volta à noite em que nos conhecemos – em que me conheci.)

Outra vez. Mais uma noite. Uma noite igual às outras. Noites sofredoras que me embalam na minha, mas tão minha, dor. Digo-te que foi uma boa noite, que sonhei com tudo aquilo que me aconchegava a alma. Digo para mim mesma que me sinto cansada; cansada de mim; cansada dos dias; cansada das noites. Concentro-me na imagem espelhada: estou exausta por passar pelas mesmas coisas vezes sem conta; estou sem fôlego neste ciclo. Não sei como sair daqui. Quero sair daqui. Não sei de mim. Não sei onde estou.

 Encontro-me, como sempre, com o meu corpo nu. Estou deitada nos meus lençóis de verão e o meu corpo é invadido por tremores; não consigo controlá-los; não consigo controlar a minha mente. O pânico e o medo apoderam-se daquilo que resta de mim (que já é pouco) e as lágrimas dançam pela minha face: «O que fazer quando a nossa casa é escura e gelada? O que fazer quando a minha receção nunca é calorosa?» Agarro os meus lençóis com força; nem sinto os meus dedos. Estão frios, tal como o meu corpo. «Vou morrer», digo-te várias vezes; estás em pânico, em pleno desespero. «Não estejas. Bem-vindo à minha pele», tu não sabes o que fazer. Já não sabes a lar. Não ouves. A ansiedade arruína-me constantemente, e tu tentas compreender. Tentas. Já não ouves. Não sabes já que as ruínas contam histórias?

Os traumas definem o futuro das pessoas; como encaramos o futuro? Existe futuro? A maneira como avançamos e tomamos as decisões da nossa vida são influenciadas pelas dores que já carregámos ou ainda carregamos no peito: dificilmente vemo-nos livres de um rochedo que tem as nossas inicias gravadas. Compreendes que existem certos sofrimentos que não podemos negar nem fingir que nunca existiram? Percebes que ainda não estou solucionada?

 Sobrevivi. Sobrevivi mais um dia. Sobrevivi a mais um dia neste mundo e sou consumida pela sociedade venenosa. Já não luto mais. Sinto-me derrotada. «As palavras que eu gostaria que tivessem saído da tua boca», tarde de mais; tarde demais.