20 Março 2016      14:04

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CADA MACACO NO SEU GALHO

"INCONSTÂNCIAS"

Se algo me preocupa e entristece no país em que vivo são, sem dúvida, os contornos pelos quais a educação se pauta. Não só não formamos seres pensantes independentes como, agora, parece-nos aceitável (ou ainda mais) retirar-lhes a independência relativamente á sua religião e á escolha da mesma.

A escola deveria ser, na minha mais humilde opinião, a primeira janela sobre o mundo e se existe algo que deveras não necessitamos pois temos já em excesso são criaturas que confundem professar a sua crença com esfregá-la na face daqueles que pouco se importam se vão parar ao inferno e que tentam argumentar racionalmente quando tal acontece. - Pensando e questionando, portanto, uma crença, acto a que muitos gostam de apelidar de “falta de respeito” mas que na verdade é apenas a medida do crescimento.

Não deveria ser necessário de todo, caro leitor, ser eu a dizer-lhe que quanto mais questionamos acerca de nós, dos outros e do que nos rodeia mais vamos aprendendo - podemos sofrer um pouquinho e ser chamados de mal-educados porque estamos a faltar ao respeito a alguém ou ao quer que seja (mas novamente, quem é que pode, hoje em dia, dizer algo que não ofenda quem quer que seja? As pessoas tornaram-se autênticas crianças birrentas a quem alguém retirou o chupa-chupa e que acham que todos neste mundo têm culpa disso. Sim, sim, eu incluída). Mas no fundo o que importa é que estamos a crescer e a aprender e um dia teremos a certeza daquilo que queremos. Sim, ter a certeza daquilo que queremos é muito importante, mais importante do que ter que ser uma ovelhinha bem-comportada. Isto porque vai chegar um dia que teremos que ser nós e apenas nós a viver com as nossas escolhas e nesse momento a “boa educação” e a “total aceitação” não vão ser, de todo, as nossas habilidades mais engenhosas (nem o que com elas aprendemos).

No fundo temos que ser sempre um pouco rebeldes, mas, atenção, não inconsequentes. E temos que procurar compreender tudo aquilo em que acreditamos não só no hoje mas também no ontem porque uma casa não se constrói sem os alicerces (nem uma igreja, uma mesquita, uma sinagoga ou um templo). Isto figurativamente falando, só para deixar claro.

Não, caro leitor, não sou ateísta. Tenho as minhas crenças que, como defendo neste artigo, foram questionadas. Tenho, ainda mais, a noção de deferenciar certas noções que parecem ser apenas a mesma coisa mas que no fundo são muito diferentes: instituição, crença, fé, espiritualidade. A igreja ou os locais de culto onde professamos as nossas crenças são, portanto, instituições. Instituições que não pagam impostos, que recebem doações chorudas e que vivem, muitas vezes, dos mexericos por parte dos seus crentes que dizem ‘amar o próximo’. - Sem grandes problemáticas pois cada um de nós é responsável pela sua consciência e pela dose de hipocrisia capaz de ministrar.

Eu, pessoalmente, prefiro a palavra crença e espiritualidade associadas a um espaço amplo: a natureza. Lugar de silêncio onde me posso medir em tamanho interior e onde não me medem com olhares furtivos o tamanho das saias ou das etiquetas da marca da roupa que uso.

Imagino que neste momento, caro leitor, esteja já a tecer os seus comentários jocosos relativamente á minha crença. Esteja já a rir-se para si mesmo porque quem é que professa a sua crença na natureza? Quem é que festeja o silêncio e dele retira noções para a vida? - Não se ria, no entanto, tão rapidamente. Quem faz este género de coisas são aqueles que se sentem mais compreendidos e compreendem melhor aquilo que a igreja católica desvirtuou totalmente e de seguida adaptou consoante os seus objectivos pessoais.

Sim, falo desse pecado que é o paganismo e também uma das primeiras, chamadas, religiões que existiram.

Está a chegar a Páscoa, a morte de Jesus e o seu ressuscitar após três dias. Para os católicos. Mas para os pagãos hoje celebra-se a Ostara. Ostara é o sabbat que celebra a deusa Eostre, a deusa do renascimento e da ressurreição. O renascimento da luz que hoje se estende e vence mais um pouco as trevas: sim, a Primavera. E não, caro leitor, não é nenhuma coincidência, é propositado. Eostre evoluiu para a palavra inglesa Easter que significa Páscoa e também o festejo foi adaptado, como lhe dizia acima, apenas para servir os propósitos cristãos.

Portanto se queremos falar de respeito pela crença dos outros porque não começamos por esse momento em que os feriados pagãos foram adaptados para que se convertessem em cristãos? - Dou-lhe este exemplo pois é aquele que melhor conheço mas estas transversalidades atravessam todas as religiões e crenças.

O que pedimos, portanto, quando pedimos que alguém respeite a nossa crença? Pedimos-lhe que não viole o nosso direito a ter essa crença, não que não aponte os erros dessa mesma crença. Porque, como lhe dizia, as crenças devem funcionar assim: ser continuamente renovadas e mesmo criticadas para que possam melhorar e ainda mais, notar aquilo que está errado.

O problema desta questão é que quando pedimos algo não podemos de maneira nenhuma permitir-nos o direito de não fazer o que pedimos para com os outros. Se queremos que respeitem devemos também respeitar e submeter-nos ao nosso lugar. A supremacia não deve caber na humildade que o nosso deus nos pede.

Portanto, caro leitor, num estado que se diz laico como podemos aceitar de forma crédula e passiva que se celebrem missas nas escolas se essas escolas são do estado? Como deixamos que nos passe ao lado que o nosso chefe de estado beije o anel do chefe de estado do Vaticano numa visita estatal? - Teria todo o direito de o fazer numa visita particular, de praticar aquilo em que acredita, mas enquanto o papel que tem não deveria ter tomado outra postura?

Caro leitor, peço que não se sinta atacado. Peço apenas que descole o seu raciocínio da sua crença e tente compreender que temos que ser mais do que ela nos diz para ser. Somos homens antes de mais e se é a nossa crença que nos torna bons algo está muito errado com a nossa ética e a nossa moral. Querer que as nossas crianças sigam algo porque nós seguimos não será, também, uma forma de controlo?

E sim, eu sei, cabe aos pais decidir o que é melhor para os filhos enquanto os filhos não sabem o que é melhor para eles, mas a vida funciona mesmo dessa forma: precisamos de procurar para encontrar. Precisamos de experienciar para compreender. Precisamos de provar o que não é bom para saber o que é bom. Com as crianças não é diferente. Com a crença das crianças não é diferente.

Mesmo com as nossas próprias crenças, não é diferente.

No final do dia o que importa é se aquilo nos preenche sendo que não diminui ninguém. É se, dia após dia, nos vamos melhorando enquanto pessoas e não enquanto apenas cristãos, muçulmanos, judeus ou pagãos.

O que importa, no fundo, é que exista uma reformulação da crença, um ajuste ao momento vivido, á sociedade e para isso é necessária a crítica. É necessário o apontar dos erros. É necessário reconhecer os erros e tentar resolvê-los.

A escola não é um local para trabalhar a crença - é um local para trabalhar o conhecimento, o pensamento crítico; de outra forma seria apenas mais um orgão que nos oferece uma falsa liberdade, mas que de mansinho nos formata consoante aquilo que lhe dá mais jeito. A escola é um local de crítica (ou deveria ser) e de questão.

E para nós, que vemos uma sociedade cada vez mais desvirtuada dos seus alicerces, não nos interessa que cada ovelha fique na sua caixa, mas que cada macaco se mantenha no seu galho. Sim, macaco, porque tal como eles um dia o fizeram, nós, hoje, estamos sempre a evoluir e devemos ter espaço para o fazer.

Imagem daqui