16 Setembro 2017      11:27

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BARATAS TONTAS

"PARALELO 39N"

Vamos dar, neste texto, uma perspetiva diferente e atribuir características nobres a esse inseto multifacetado, tanto voa como rasteja, que é a barata. Espere. Não deixe de ler já o texto só porque se criou uma imagem de uma barata e já apetece fugir. Há que dar o benefício da dúvida. A barata, para começar, diz que tem sapatinhos de veludo. Ah, não. Espera, essa é mentira da barata. O que ela tem é os pés peludos. Não vou entrar por aqui. Podia, mas não vou. Embora tenhamos que, aparte da repugnância que causa o tal bicho a muita gente, inclusive ao narrador deste texto, o animal até pode ser fofinho e já deu muitas canções. La cucaracha é um desses exemplos bem como aquele que brevemente citei acima, mas não íamos longe porque ela já não pode caminhar.  

Quero, ao invés, falar um pouco sobre uma história que me contaram, que pode ajudar a explicar o significado do título e, consequentemente, a expressão popular da barata tonta. Mas chega de devaneios. Conta a narrativa e eu próprio, narrador, que houve em tempos, uma reunião familiar de várias primas. Combinaram que, no ano em que fizessem muitos anos de idade, na sua pré-reforma, se encontrariam todas num lugar e fariam uma festa como nunca até aí, de modo a celebrarem o seu aniversário de forma conveniente. Falaram ao telefone umas com as outras, através do novo iPhone X, por Facetime, após reconhecimento facial pois, como se sabe, as baratas não têm impressões digitais nas patinhas e essas têm muitas. Como o novo iPhone parece que dá essa opção, usaram-na e fizeram uma conference call.

Eram sete primas e cada uma vivia no seu lado do mundo. Teriam de fazer uma longa viagem, grande, enorme. Parte dela pelo ar, com as suas asinhas aerodinâmicas e a outra parte, por via terreste, movidas a alta velocidade pela sincronização das patinhas.  Permitam-me que as apresente. Blatella, sobrenome Germanica vivia na Alemanha e não falava outra língua a não ser o alemão. Mal entendia as primas. A sorte dela é que as outras, pelo menos, nesta eram fluentes. A segunda prima, seu nome Blatella e sobrenome Orientalis vivia na China. Adorava a vida que tinha no Oriente. Os campos de arroz, a imensidão. Adorava viajar. Já a outra prima tinha um feitio desgraçado. Inseto irascível, chamada Gromphadorhina Portentosa era Barata fina, de Madagascar. Habitante de Nova Iorque, Periplaneta Americana, sobrenome que lhe fora dado pelos seus progenitores, era uma barata cosmopolita. Frequentava os piores restaurantes e espeluncas de Manhattan. Calcorreava o metro como uma verdadeira nova-iorquina. Usava os auriculares bluetooth e não passava cartão a ninguém nos esgotos.

Periplaneta Australasiae vinha de muito longe, de um país tropical, onde as ligações de wifi eram péssimas, concordou fazer a viagem até ao ponto de encontro, só porque tinha imensas saudades das primas. Falta-me apresentar as duas restantes Periplaneta Fuliginosa, gémea da americana, mas que foi separada à nascença e criada noutro sítio que não o da americana. História trágica mas que não vou contar aqui. Seria a primeira vez que se viam, embora fossem iguais e assim já podiam ter uma ideia. E, por último, a grande organizadora do evento, a força motriz, seu nome Supella longipalpa, inseto cosmopolita e dedicadíssima à família.

Combinaram o encontro que, aviso já o leitor, acabaria de forma trágica. Estava tudo planeado. Comecemos pelo local de encontro. Combinaram encontrar-se no Alentejo. O lugar parecia paradisíaco e as baratas iriam adorar o sol e as planícies. Até dava para esticar as asas sem chocar com nada. Bem, talvez com um ou outro sobreiro. Lá, não havia os predadores ferozes que enfrentavam diariamente. No guia também não falava em venenos ou armadinhas falsas. Acreditaram.

Esqueceram porém que nenhuma delas falava português e, apesar de a grande maioria dos portugueses falarem inglês e outras línguas, não iam perguntar à primeira pessoa que encontrassem. E, as baratas portugueses, tanto quanto sei, não falam inglês. Talvez falem mas aqui não interessa. Bem, chegaram ao Alentejo e não sabiam para onde ir. Perderam-se umas das outras, começaram a ficar agitadas e, quem observasse, diria que pareciam umas baratas tontas. Enervadíssimas, sem saber para onde ir. Irritadas com o atraso da camioneta, passaram horas a ver se isto se resolvia. Estavam doidas. Tontas. Baratas.

Chegadas à zona do resort, no entroncamento, enganaram-se e foram parar a outro sítio, que não era, de forma nenhuma, resort para baratas. Era o monte da tia Engrácia, mulher asseadíssima que detestava baratas e tinha a coragem de se livrar delas. Quando chegaram já era noite e tudo dormia. Ultrajadas que o resort não tivesse ninguém a recebê-las, dormiram onde pudera, à espera que o dia fosse melhor.

O sol raiou mas, talvez pelo jet-lag, não acordaram logo. Estavam tontas. O azar delas foi que a tia Engrácia acordou e deparou-se com aquela invasão. Sapato. Vassoura. Sapatos. Vassouras. Spray. Fim da história. As criaturas não se encontraram mais. Bem vos disse que era trágica. 

 

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