25 Dezembro 2016      11:49

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ALERTA SPOILER NATAL: O SEU PRESÉPIO ESTÁ ERRADO

É tradição que, chegado o Natal, os presépios toem os seus lugares de destaque.

Há de todos os tipos: antigos, modernos, de barro, de madeira, de material reciclado, de papel, mais tradicionais e menos (muito menos) ortodoxos como o presépio inspirado pela febre dos zombies provocada de “The Walking Dead?” ou por star Wars, ou na Irlanda com duendes e cerveja Guinness.

A cena da natividade representada no presépio já foi imaginada e repetida nas mais diversas maneiras e formas, no entanto, estarão todas – mesmo a mais tradicional - longe, muito longe, daquela que terá sido a real.

O Natal, tal como outras celebrações religiosas, é um ritual social e que mistura religião, paganismo, cultura e folclore, logo, muito da história do nascimento de Jesus está envolto em incorreções históricas e em sentido diferente daquele a que nos veicula a Bíblia.

Os três reis magos, o nascer num estábulo, a família muito branquinha e magra… tudo isto está bem longe daquilo que terá acontecido na época (recentemente saíram notícias sobre uma nova e supostamente mais correta composição corporal de Jesus e já antes se colocou em causa a figura física de Jesus, ocidentalizada e ajustada para ser agradável à generalidade da população cristã, num conceito que envolve política, cultura e… marketing.

Esta culturalização da cena da Natividade mais incorreta nasce de séculos de especulação sobre a mesma, de mistificações, histórias contadas vezes e vezes sem conta. Quanto mais tempo foi passando, mais a realidade se afastou.

Por exemplo, uma das situações divergentes é a questão do estábulo, quando em Belém, na Palestina, se celebra o nascimento de Jesus na Igreja da Natividade construída no local da gruta da Natividade.

Na Bíblia existem passagens que descrevem a chegada de Maria e José a Belém, uma viagem a que foram obrigados para participar num recenseamento, não havendo um único quarto, uma única casa, onde José e Maria – grávida - pudessem descansar.

Mesmo a cena do nascimento numa gruta é improvável e é quase certo que tenha nascido no nível inferior de uma casa de parentes ou conhecidos, sendo que, à época os animais - de modo a que não fossem roubados, à noite – eram guardados nos níveis inferiores das casas.

A imagem criada, ao longo dos séculos, de Maria, José e Jesus, num estábulo, e sob as estrelas é, obviamente mais ternurenta e comovente, e a presença dos animais ajuda a pintar a imagem idílica.

São muitos os presépios onde são os pastores quem levam as ovelhas, onde os reis magos chegam de camelo… e sobre esta imagem, o próprio Papa Bento XVI – que antecedeu o Papa Francisco - admitiu que, nos Evangelhos, não há relatos da presença de animais, como relatou no seu livro “Jesus de Nazaré: a infância em narrativas”, e onde diz que, a haver presença de animais, não se consegue dizer quais.

Jesus a nascer num cenário idílico e humilde, cercado das criaturas de Deus, promoveu uma visão de harmonia e paz, mas há a possibilidade de não existirem sequer animais presentes aquando do nascimento.

O animal mais comum nos presépios é o burro, até porque a sua presença ajuda a veicular a imagem de maria sentada no burro, a caminho de Belém, enquanto José o segura com uma corda. No entanto, a Bíblia, não refere o meio de transporte utilizado, embora, e dado o estatuto social da família, o burro fosse o meio de transporte mais provável, sendo que não estará fora de hipótese o poderem ter viajado numa caravana, algo que seria muito mais seguro na época. 

Mas uma falha ainda maior pode estar relacionada com as pessoas e não com os animais.

Comecemos pelos reis magos, bem vestidos e cheios de riquezas; na Bíblia existe a referência a “sábios” que viajaram do Oriente ao seguir uma estrela cadente. A interpretação de mago ou sábio, à luz da época, seria provável que se referisse a tipo de clérigos persas (região do Iraque) e que eram, muitas vezes, estudantes de astronomia e não “reis” cheios de riquezas, facto que, certamente, viria referido na Bíblia.

Facto é que, existe uma correspondência de datas e acontecimentos entre o nascimento de Jesus e um acontecimento astronómico anormal – com a devida margem de erro provocada pelos séculos.

A imagem dos “reis-magos” surge, curiosamente, no Renascimento e ajudou à representação da cena perfeita.

Outro ponto ligado aos reis-magos é a quantidade. Quantos eram? A representação que nos chega diz que eram três, e até sabemos os seus nomes: Belchior, Gaspar e Baltazar. Diz-se inclusive que levavam ouro, incenso e mirra. Quer a quantidade, quer o que levavam, quer os nomes são meras conjeturas.    

Certamente que ter “reis” terrestres a oferecer riquezas a Jesus, rei do Universo, terá ajudado ao engrandecimento – embora que meramente simbológico – da figura de Jesus.

Mas o maior problema dos presépios comuns e tradicionais é mesmo o de – essencialmente no Ocidente – se terem feito representar as figuras de Maria, José e Jesus à nossa imagem racial, são, normalmente, figuras de porcelana com estaturas proporcionais às nossas, cores de pele claras, de caras rosadas e olhos claros, e, por vezes, chegam a ser representados loiros. Esta é representação de Jesus com uma imagem mais europeizada, é algo que nos chega, novamente, da época renascentista e que ajudou a impor a imagem cultural dos “brancos” como uma raça e cultura poderosa e envolve-se de simbolismo ao relacionarmos o branco com a pureza, o bem e a sabedoria e o preto com o pecado e o Mal.

Curioso é que nas versões da Bíblia que nos chegaram não existe qualquer referência à fisionomia de Jesus, nem da sua família, facto que pode ter sido um fator crítico e que proporcionou uma vantagem à cristianização da Europa e do Ocidente e ajudado a converter pessoas de todas as raças e cores.

Ponto assente entre historiadores e estudiosos é que a fisionomia de Jesus seria a de homem comum do Médio Oriente, de tez, cabelo e olhos escuros.

Todas as tradições culturais são alteradas com o passar do tempo. E é com essa mesma passagem do tempo que as géneses, as verdades, as origens das histórias e culturas acabam por perder-se.

É compreensível que, no caso da representação atual do presépio e da cena de Natividade, se cometam erros inocentemente ou que nem sequer nos questionemos sobre a veracidade dos acontecimentos. O problema é que se corre o risco de se aceitar a representação como real, como facto histórico, quando não é.

 

Realizado com base em artigo da “The Atlantic” de aqui

Imagem de spotmeter98.blogspot.pt