9 Abril 2016      13:19

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"PARALELO 39N"

Cinquenta e duas semanas, cinquenta e dois textos escritos nas linhas de uma folha em branco. Uma vez a descoberta do Myanmar, um país, os caminhos entre lagos e montanhas, entre grutas e templos. Outra vez, os dias a nascer no cimo do monte Ramelau, de onde se vê a passagem de multidões desconhecidas, todas as pessoas na sua singularidade e a tentativa de as desenhar em letras, onde houve sempre algo que nasceu nas curtas frases.

Sozinho, sentado à mesa de restaurantes, olhando em volta e sendo surpreendido pelos comensais, acompanhado apenas pela alma daqueles que se misturam no meu pensamento e no meu olhar. Na hora da ceia, sentados à mesma mesa, eu e todos os rostos que rascunhei em biografia. Quem sabe se… se fizéssemos os telefonemas necessários, se contássemos segredos ou passássemos de um paralelo para o outro, sem direito a partidas, mas olhando, ao longe, a beleza dos girassóis de Saigão, talvez fossemos muitos mais à mesa.

Em cinquenta e duas semanas, oxalá houvesse mais nascimentos, constantes como o amanhecer; oxalá pudessem os homens esquecer o medo e partir de um qualquer terminal de aeroporto sem viverem acossados pela ideia do mal. Na complexidade das letras e dos pensamentos constroem-se pontes que nos ligam a todos. Para mim, como imagino para nós, a vida é uma manta de retalhos que nem o vento nem o tempo poupam e que faz com que os rostos, os mesmos que escrevo, contemplo e admiro, sejam sempre testemunho de um sorriso, mesmo sofrido. Todos são pessoas, misturadas em crónicas diferentes, que se sentam numa cadeira de um café, de uma barbearia ou à sombra de um frangipani e imaginam novos mundos.

Em todas as frases permanece a diversidade das gentes que já vi, de todas as viagens que já fiz. Algumas terão o mesmo tom de voz daquele que ouvi e dos que falaram comigo em todas as línguas do mundo, impressas nas mensagens indecifradas de caracteres como os da Escrita do Sudoeste.

Há textos que falam do meu cão, do meu leal e fiel companheiro, outros descrevem os rostos que se cruzaram nos tempos e nos paralelos. Tornam-se confusas as ideias quando aquilo que se diz se amalgama e relata a história de personalidades como José Joaquim de Sousa Reis. Porém, talvez o traçado geométrico junte tudo e faça com que faça sentido e se combine no final, criando uma ideia concreta e canalizada no mesmo significado. No fim, só no fim se poderão juntar as peças do puzzle.

Sou narrador. Talvez seja só isso, quase um veículo que não transporta produtos inflamáveis. Talvez um narrador só veja e relate um momento, descreva uma realidade como a vê, sempre parcial. Talvez seja um ente que observa e nos conta aquilo que vê, à imagem da sua experiência, em cada texto escrito. Na descrição que faz de um rio, de três bagas de medronho ou dos livros que se leram e aqueles que se poderão ler, o narrador pinta sempre os traços do seu rosto. As palavras, as letras que escreve têm o tom do seu pensamento.

O narrador é uma sala cheia de gente, constrói tantos mundos quantos os que já existem em si e no leitor, tantos e tão infinitos que cinquenta e duas semanas não chegam para começar a contar o que é. O narrador falará das pessoas, viajará a Lifau e contará a história do menino e de um crocodilo que construíram um país muito antes de Lifau, daqui a cinquenta e duas semanas mais. Talvez venha a ter insónias quando as escreve e coloca no papel. Sabe que as palavras o acompanham ao longo da noite, todas as noites. As palavras falam com ele, mantêm-no desperto e acordam-no quando adormece. São quase o sonho que nunca se esgota e se reformula a cada impulso. Na mente do narrador, entre dois dedos de conversa e um copo de tinto, renascem as fénixes e a cada dia, nas cinquenta e duas semanas, tudo volta ao ponto de partida, tudo volta a lugares de onde tantas vezes nem saímos. Sei. São lugares comuns.

Hoje, uma conversa, amanhã, um rosto perdido na imensidão do globo, uma ideia que foge do criador. Como um aquário onde os peixes se acomodam e olham o universo que não vai além do que veem, o nevoeiro das ideias pulveriza cada imagem que se constrói.

Cinquenta e duas semanas, um ano, trezentos e sessenta e cinco dias. Amanhã.

 

Imagem daqui