18 Dezembro 2015      23:56

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PARTIDAS

PARARELO 9S

Nos aeroportos, nas estações de comboios, na nossa vida, em todos os lugares que conhecemos, entramos, há sempre duas portas. Podem ser a mesma, mas são diferentes no momento em que as transpomos. Neste dia em que escrevo, vejo duas. Uma diz partidas e a outra mostra chegadas. Parto de um sítio e chegarei a outro lugar. Para mim, como para qualquer um de nós, não será sempre aquele que planeei nos meus desejos, nas minhas vontades. Será aquele onde tenho de ir, aquele onde devo ir. O lugar. Neste momento, o meu lugar.

Partimos, por vezes felizes, entusiasmados, contentes, delirantes, outras indiferentes, apáticos, como se o tempo não tivesse sido e as memórias já se tivessem apagado no meio de um matagal de capim, num horizonte nublado. Outras vezes partimos tristes, envoltos numa tristeza tão profunda e tão melancólica que a palavra partida parte primeiro e abandona a alma de quem vai. Nem sempre os verbos nos ajudam e as preposições de e para tornam-se tão pesadas como toneladas de sentimentos colocados em cima das nossas costas. Sempre dei muita importância às preposições da nossa vida, tanta quanta quero dar às pessoas que me olham e recordam nas partidas de ontem e de hoje. Talvez as do futuro sejam diferentes, talvez esta partida de Díli feche um ciclo em mim e no caminho que percorro me sinta perdido entre os momentos da partida e da chegada.

Entregaram-me um bilhete onde estava escrito ida. Não vejo nele data de regresso. Assim escolhi. Tomei uma decisão e são as decisões que nos fazem caminhar. A cada momento, decidimos, a cada momento olhamo-nos e nesses momentos devemos pensar-nos. Devemos refletir-nos e ao nosso percurso. À chegada não somos quem partimos. Não iremos escrever o nosso nome sempre da mesma forma, nem assinaremos as cartas com a mesma caligrafia nos mesmos percursos.

Ontem parti. Parti com todas as emoções e escolhas arrumadas e compartimentadas em malas. Na mão, a bagagem como único acessório, repleto de mim, tão cheio de coisas que são tudo e são nada. Levo nelas um bocadinho de cada pessoa que conheci. Transporto emoções, sorrisos, lágrimas e pequenos frascos inferiores a 100 mililitros.

Ao partir, ontem, um dia como outro qualquer, mudo-me e altero-me. Sou outro paralelo na distância que vai entre eu e mim próprio. Consegui colocar tudo o que vivi em caixas e malas sem que pensasse nunca fazê-lo de novo. Datas, elementos e objetos do caminho que percorri enchem-nas como se fossem só penas aceites pelas companhias aéreas sem que cobrem excesso de peso. Em cada mala, cada um dos objetos, cada uma das prendas que recebi, todos os rostos sentados nas cadeiras, levantados, olhando-me de frente, impressos a cores nos sorrisos. Entre a entrada no aeroporto, com paragem no check-in, até a porta de embarque percorri recordações e momentos. Olhei atrás e vi-os todos refletidos como na minha imagem ao espelho.

No cartão de embarque, os rostos e as impressões digitais dos amigos, que fazem comigo, a cada passo em direção ao destino, uma estrada de tijolos dourados, como se na minha viagem o destino seja a cidade da fantasia, como se todos os meus amigos me acompanhem a cada momento nessa viagem sejam também, como eu, um pouco de todas as pessoas. Estou. Sou acompanhado. Sinto-me acompanhado e estou feliz por isso.

Há, no espaço que ocupámos, onde estivemos, um vazio físico que só se poderá preencher com memórias e visualizações.  Talvez se sinta ainda um pouco do perfume que carregava, do odor que é individual e transporta a identidade de cada um de nós. Nas viagens, os rostos são recorrentes e visualizamos os momentos passados... tantos momentos e tão nítidos.  Com o passar do tempo, alguns ficarão menos aparentes, mas nem por isso o deixarão de ser.

Nas partidas, no check-in, recebi só um cartão de embarque, ocupei um só lugar do avião, mas sei que trouxe tantas pessoas comigo e transportei tantas memórias que me questiono como não tive excesso nem me recusaram a entrada. Em cada aeroporto, fizeram a viagem comigo aqueles que ocupam todos os espaços que me rodeiam e me fazem sorrir. Na chegada, sei que também me esperam.  E, na chegada, nesse frio que transformo em calor, que as mesmas partidas e as mesmas chegadas sejam mais do que a bagagem compartimentada, que o peso não se esgote no limite económico e as imagens sejam os rostos que até hoje me fizeram sorrir e farão, sempre.