6 Junho 2015      10:49

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A MÚSICA

A história da vida dos Homens é escrita em livros e guardada em museus e arquivos grandiosos e antigos, onde se mistura com esculturas, pinturas, bustos, artefactos e muitos outros fragmentos de memória. A história da vida de um Homem não cabe num museu e, para ser contada, tem de ser escrita em volumes vários. Cada Homem é um fragmento da multitude de artes, conhecimentos e criação. A história da música confunde-se com a história dos Homens e é escrita em pautas e guardada nos ouvidos dos Homens que a ouvem, que a escrevem e que fazem parte da história. A música não cabe num museu nem cabe na vida de um só Homem. Muitos foram os que dela se enamoraram, os que dançaram a valsa com ela e o tango, o merengue, chachachá e a salsa, o funk, o rock n’ roll e até o foxtrot. Tantos esmoreceram a ouvi-la, sentados em poltronas feitas de pele, outros tantos choraram com vozes estridentes de quem nunca esqueceu um tom, nunca o pronunciou mais acima ou mais abaixo e muitos mais criaram movimentos novos, dançaram ao seu som, mudaram-na, fizeram-na outra embora continuasse e continue sempre a ser música.

Cantada desde sempre, a história da música foi escrita por Mozart, novo, prodigioso e precoce, desaparecido em iguais circunstâncias, num requiem que ainda hoje ecoa em sua memória. A história tem os sons de Beethoven, quase surdo, que tudo ouvia e não falhava um acorde ao tocar a sonata da lua cheia, para piano; ou de Bach igualmente inspirado, em campos diferentes; em Tchaikovsky num lago de cisnes em que só se ouve o barulho de um quebra-nozes ou o silêncio de uma bela adormecida. Na música, as sonoridades são as quatro estações de Vivaldi, enquadradas numa única composição. É um Schoenberg soturno e um Wagner em ópera. É aquela que se conta entre sons, altos e baixos, lentos e rápidos. É a que se esconde nos interregnos de silêncio que nela se gravaram.

A história da música é contada por um Homem de casaco preto, igual a tantos outros e diferente de todos, que se senta à mesa e escreve desenhando claves de sol numa pauta inacabada, conta-se em camadas, uma acima de outra, uma baseada na outra, sempre vivendo e alimentando-se daquilo que antes existiu. Muitas vezes, conta-se na sequência de uma ideia, outras tantas em sua oposição. Assim é a música! Como um muro desenhado e espaços em branco, amontoados e desordenados até que o esforço dos compositores a torne real e a ordene os movimentos instrumentais, a música é um espaço que se enche e povoa na criação dos Homens. Os Homens não gostam do silêncio e a música é o espaço feliz ou triste que espelha a alma dos Homens e preenche o vazio que o silêncio cria e atormenta nos Homens. Na voz dos cantores, sopranos, altos, tenores ou simplesmente naquela pequena criança que canta e sonha nunca parar de cantar. Assim, aparecem tons, palavras, melodias e o vácuo já não o é. E, principalmente, aquela criança que canta no meio de muitas com o sonho de um dia cantar em palco, viverá sempre com os acordes nos ouvidos e a inspiração dos compositores será a que terá na sua vida quotidiana.

A história do Homem e a da música são os movimentos e os olhares, os gestos gravados em papel de um Homem de casaco vestido onde estarão as partituras e as pautas e os livros todos que nele couberem, como estará também o sonho de criação dos Homens que conhecem e dos que não conhecem a música.