26 Julho 2015      01:36

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JE SUIS LOUISE ALBA

Quando se faz tal afirmação, o leitor não precisa de dominar o francês para entender o paralelo entre a referida frase e a de uma campanha contra o terrorismo iniciada em França há uns meses. Do mesmo modo, escusado será dizer que, apesar de nem sempre parecer, estou na plena posse das minhas faculdades mentais, não padecendo, portanto, de nenhuma enfermidade suscetível de me toldar o raciocínio nem tampouco de transtorno dissociativo de personalidade.

Uma vez tranquilizado o caro leitor, passemos ao que aqui nos interessa. Eu, quando escrevo (e é disto que vos venho falar hoje, num registo mais intimista, em tom de confidência sussurrada ao ouvido porque creio que já temos alguma confiança) sou a Louise Alba.

Na verdade, o poeta, quando cria, sofre uma espécie de mutação em que à semelhança da cobra larga a sua pele e reveste uma outra (e é aqui que resulta a magia da coisa), a de outra entidade, que pode ser nova, velha, extemporânea ou contemporânea. Tudo lhe é permitido e não há maior liberdade no mundo.

Claro que me refiro aqui à transformação que se opera entre a pessoa de carne e osso, o escritor, e outra entidade, o autor. Com efeito, a vossa humilde servidora, a escritora, “que trabalha a sua palavra (desde que esteja inspirad[a]) e absorve-se funcionalmente nesse trabalho” (Reis, Carlos; Lopes, Ana Cristina, Dicionário de Narratologia, Almedina, Coimbra 2002.) não se confunde com a autora, a Louise Alba, que é “materialmente responsável pelo texto” (Reis, Carlos; Lopes, Ana Cristina, Dicionário de Narratologia, Almedina, Coimbra 2002.), ou dito de outra forma, que é quem assina a obra.

Ainda a outro nível, quando o autor narra uma história ou escreve um poema, acaba por dar a voz a uma entidade fictícia, o eu lírico ou sujeito poético, que na prática é quem assume a primeira pessoa e a quem é dada total liberdade de sofrer, amar, morrer, etc. E aqui já estamos na medula da criação literária, no nível diegético, em que o sujeito poético se refere a personagens ou opta por confundir-se com uma delas.

Assim, no mundo interior do escritor, abrem-se uma sucessão de universos paralelos em que, cada um se funde no próximo em “mise en abyme”. Quanto ao texto, apesar de à primeira vista parecer monolítico, na realidade, é fruto de mutações e de translocações, que lhe conferem densidade e complexidade e os obscuros meandros da escrita tornam-se ainda mais sinuosos e acidentados, fazendo do escritor, um ser alienado, ambiciosamente esquizofrénico, que tem o mundo nas mãos e o poder surreal de transformá-lo a seu bel-prazer.