27 Junho 2015      09:53

Está aqui

À MESA DO RESTAURANTE

Cheguei ao restaurante pouco passava das nove horas da noite. Uma rapariga de aspeto baixo e magro esperava os clientes com um bloco de notas escrito e rasurado à porta. Olhou-me e perguntou para quantas pessoa era a mesa. Respondi-lhe que estava sozinho e não esperava mais ninguém. Pediu-me, num gesto de simpatia algo forçada, por se tratar do seu trabalho, que me sentasse no balcão que servia de bar e outros como eu aguardavam mesa para se sentarem. Alguns deles, em grupo, falavam de assuntos tão diferentes como a política dos seus países, a noite no bar, na semana passada o curso de surf e de mergulho… Outros sentavam-se simplesmente em casais e olhavam-se sem adiantar muitas palavras. Sentei-me no meio de dois casais e pedi um copo de vinho tinto, um cabernet sauvingnon do Chile. Comecei a observar os que já se encontravam a jantar e aqueles que esperavam ainda.

O restaurante dividia-se em duas salas interiores e um jardim onde atuava uma pequena banda, constituída por um baixista que parecia adormecer a cada acorde, um pianista que rivalizava com o primeiro e uma vocalista cuja voz me impressionou pelo lado positivo, reproduzindo músicas pop da atualidade. Aos sábados, um cantor de ópera toma o seu lugar.   Neste dia era o lugar das músicas pop e da cantora. Poucos minutos depois do primeiro gole no vinho, um dos empregados aproximou-se e levou-me à mesa. Era uma fila de mesas, onde se sentavam vários casais, sentei-me, sozinho e olhei para o menú, com a ajuda de uma pequena lanterna pois a iluminação não permitia mais. Questionado sobre a bebida, respondi continuar no vinho tinto e olhei para as entradas. Era um restaurante italiano, onde há o antipasto, o primi piatto e o secondo piatto. Decidi ficar-me pelas entradas e pelo segundo prato. Como entrada, pedi cogumelos salteados com rúcula e queijo parmesão por cima. Pedi, ao mesmo tempo, que me trouxessem como prato principal, um ossobuco. Entretanto, ao meu lado estava já sentado um casal de nacionalidade francesa que se agitava na cadeira, olhando para todos os lados, numa distância entre os dois que transformava a sua mesa num espaço de metros e metros. Tentei abstrair-me da conversa pois, quando se está sozinho a poucos centímetros de alguém, é muito difícil não ouvir aquilo que está a ser dito ou que se intui seja dito em línguas diferentes. Pior é quando é dito sobre nós, mas já lá chegaremos.

Abstraí-me e olhei para o telemóvel, mantendo uma conversa numa das aplicações de troca de mensagens do Facebook com amigos a 13000 km de distância. A minha abstração durou apenas até que o casal seguinte se sentou ao meu lado, na mesa que era a última da fila e estava vazia. Nesse momento deixou de estar vazia e a minha tentativa de ficar sozinho com os meus pensamentos e com as minhas conversas deixou de ser possível e o surrealismo pintado por Dalí em quadros personificou-se ao meu lado. Penso que seria uma história de amor, um casal de aspecto nórdico, mas com sotaque algo austral.

Tratava-se de uma putativa história de amor que tinha tudo para resultar. Notei, olhando discretamente, os olhares flamejantes entre ambos, uma intensidade hormonal que subia a cada gesto desajeitado dos dois, a cada apanhar de cabelo que ela fazia, plena de sensualidade, os dedos deles a tocar a mesa, aproximando-se das mãos do outro, mas fugindo em timidez não registada pelas minhas tentativas de não olhar.

Ele teria os seus 40 anos, ela pouco mais de 20. A magia que se começava a espalhar pelo ar foi, porém, abruptamente quando se iniciou a conversa entre os dois. Ela elogiou o restaurante e ele referiu-lhe vários outros de qualidade e preço superior onde prometeu levá-la e lhe confessou que lá recebeu um pedido de duas senhoras para ficarem com o seu ADN. Prometeu levar a nova amante lá.

Ela sentiu-se o centro do mundo naquele momento e decidiu partilhar com o seu galã, em inglês, a um metro de mim, o quão era tao bom tê-lo conhecido. Se tal não tivesse acontecido, confessou-lhe que seria uma pobre alma, sozinha e abandonada e estaria só como o coitado do tipo que estava sentado ao lado. Ora, neste momento fui eu que me senti o centro da atenção de ambos e, percebendo toda a sua mensagem, fixei o olhar nela e pedi a sobremesa. A jovem apaixonada confessou ainda rezar todas as noites para não ficar sozinha... Ao que fiquei a saber também, já atento à conversa que não me interessava mas ouvia porque estava sozinho e a música não abafava as suas vozes, a confissão de que, quando tinha 3 anos, um bruxo em Singapura disse sua mãe que ela tinha pertencido a uma família real egípcia e tinha falecido antes do tempo, com uma queda e traumatismo craniano. Fiquei chocado com a revelação e tive a certeza, concordando com ela que efetivamente o sangue real lhe corria nas veias pois, nos EUA, quando um desconhecido lhe falou numa língua estranha, tão igual aos seus pensamentos e ela entendeu tudo o que lhe dizia. Foi o momento da revelação. Momento que a fez acreditar ser uma simbiose perfeita de extraterrestres com humanos que estiveram no antigo Egipto.        Creio que entre o seu não tão jovem amante e eu, o único que lhe prestava atenção era o coitado sozinho na mesa ao lado, pois o seu companheiro balbuciava palavras indiferenciadas, sem sentido, como aliás era toda a conversa, numa torrente surreal que me levou a questionar quantos copos de vinho já teria eu ingerido. Mas, tinha a certeza que tinham sido dois e não me permitiam chegar a um estado de ebriedade tão transcendente. Pedi a conta, levantei-me, olhei-os uma última vez e, com um sorriso de quem sempre acha que mais vale sozinho do que mal acompanhado, abanei a cabeça em gesto de Dali, afagando o bigode. Nos meus pensamentos a sair, deixei, no entanto, uma certeza. Tenho de repetir um restaurante, uma mesa onde me sente sozinho, haja vinho e as personagens reais que sempre ultrapassam a ficção se juntem a mim.